11 de março de 2011

E quando falta um motivo para viver?

Luís Farinha
"Ainda agora não sei como se chamava aquela bela mulher. Nem onde morava. Como também não sei por que decidiu acabar com a vida"
Encontrava-a frequentemente no café onde há anos costumo tomar a bica.
Sempre sozinha, sentada em frente de uma chávena vazia, normalmente lia um jornal, um livro, deixava correr o tempo... enquanto fumava cigarro atrás de cigarro.
Era uma jovem na casa dos 30, morena, bonita, de cabelos longos e bem tratados... aquilo a que se pode chamar uma mulher interessante. Curiosamente, nunca a vi dar atenção ou conversar fosse com quem fosse. Toda ela, na sua conduta feita de silêncio deixava transparecer um ser solitário que apreciava manter-se afastado do convívio com as outras pessoas.
Apenas isso.
À força de a ver frequentemente por ali, taciturna, ausente, olhando sem ver, ouvindo sem escutar, acabei por me habituar à sua presença, como se fosse um adereço decorativo.    
E a verdade é que, devido ao hábito, quando eu entrava e a não via... ficava com a sensação de que o estabelecimento estava vazio. Como se da parede tivessem retirado um quadro que eu admirava.
Nunca procurei saber quem era aquela mulher. Para mim bastava-me o prazer daquela visão, presente quase sempre quando eu entrava. Depois, eu já cheguei àquela idade em que olho uma mulher bonita da mesma forma que admiro uma bela peça de arte.
Um dia... ela não estava lá!
Não estava, nesse dia, nem no outro a seguir, nem nos outros que vieram depois.
A verdade é que nunca mais a vi.
Um dia, como por acaso, falei dela ao empregado que me atendia. “O que é feito daquela senhora que se sentava todos os dias naquela mesa, ali"?
A resposta, apanhou-me completamente desprevenido!
"Suicidou-se" - respondeu o empregado. E acrescentou - "foi há quase um mês".
Fiquei mudo de espanto.
"Suicidou-se?" Perguntei, ainda incrédulo.
"Sim, matou-se! Era uma pessoa estranha, sabe? Acredite que nunca a vi sorrir. Parece que para ela o mundo não existia. Depois acabou por fazer aquele disparate!"
Ainda hoje não sei como se chamava aquela bela mulher. Nem onde morava. Como não sei que meio auto-infligido terá escolhido para acabar com a vida.
Dela, guardo a lembrança da sua beleza e da solidão imensa que deixava transparecer. E guardo também a convicção arraigada de que o suicídio é uma forma estúpida de resolver seja o que for.
Aparentemente, àquela mulher nada faltava para ser feliz. E perguntava-me o porquê daquela tristeza que lhe pressentia. Pelo menos era tristeza o que eu via, quando olhava para ela, sempre sozinha, sempre melancólica, rodeada do seu mundo invisível.
Afinal, pensei depois, devia faltar-lhe o principal, a coisa mais importante... um motivo para continuar a viver.

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