11 de novembro de 2014

O regresso

Luís Farinha


     Não vinha aqui há mais de um ano. É tempo, pois, de pedir desculpa aos que por acaso ou costume têm vindo aqui dar uma olhadela às prosas que me atrevo a alinhavar e viram frustrado o seu intento. Esta ausência deve-se a um período sabático que me impus até deixar passar a crescente onda de desânimo que me toldou a inspiração durante largo tempo. Na idade que já tenho e depois de uma vida vivida à exaustão, repleta de episódios e situações cujas memórias nem sempre são bem vindas, senti-me soçobrar ao peso dos acontecimentos que nos últimos tempos vêm infernizando o dia-a-dia dos portugueses. Daí a minha ausência deste espaço que outra coisa não intenta senão ajudar a despertar a vontade de pensar dos que não têm tempo nem pachorra para se porem a decifrar os porquês do que se lhes vai passando à volta.

     Vim ao mundo no último ano da década de 20 do século passado. Imaginem, portanto, quantos testemunhos fui acumulando em tão longo percurso, umas vezes como simples observador outras como interveniente mais ou menos directo. Quantos exemplos, bons, sublimes, maus e não raramente repulsivos fui acumulando no meu repositório de memórias. É por isso que não me custa admitir que sou, hoje, o idoso que a vida fez de mim: um velho inconformado, céptico, dado à cisma e à desesperança de que melhores dias virão para os que chegarem depois. Daí, o tom amargo que, por vezes, não consigo evitar nos textos que aqui deixo.

     Ao ouvir alguém afirmar que estamos em tempo de mudança, querendo significar que após o cumprimento da tarefa de devastação em curso virão dias melhores, penso que toda a razão me assiste quando, falando com os meus botões, raciocino que em mais de oitenta anos de vida todas as mudanças a que assisti redundaram no agravamento das parcas condições que parecem intrínsecas da raça lusitana. Como uma maldição, depois de cada curva da longa estrada que nos foi dado percorrer há sempre mais um buraco onde acabamos por nos atascar; é o que acontece agora, mais uma vez. Sustentam alguns que nada nos vem por acaso, que numa espécie de destino marcado não nos podemos furtar àquilo que está prescrito no nosso código genético. Seja ou não assim, de alguma forma terá de ser explicada a razão por que, desde tempos imemoriais, este rincão localizado na ponta da Europa não consegue sair da tosca situação de penúria em que quase sempre tem vivido atolado. Em tempos recentes atribuíamos ao penoso regime político que nos submeteu a quase meio século de vergonhosa subserviência a causa da nossa penúria; quarenta e tal anos depois, numa manhã de Abril, um punhado de militares sem medo ofereceu-nos a oportunidade de mudar radicalmente tal estado de coisas erradicando a nefanda ditadura que nos mantinha açaimados. Após muitos anos passados desde então constata-se afinal que os ricos não param de enriquecer ainda mais enquanto os pobres continuam a ser esbulhados do essencial. Falta de talento dos que se voluntariaram para proceder à mudança?, talvez. Aproveitamento da oportunidade para uns quantos satisfazerem a sua ânsia de afirmação social e material?, não sei. Penso que as duas coisas têm um elo comum: a cega determinação de uma geração que acredita num mundo constituído por duas classes: uns milhões que trabalham para produzir riqueza e uns milhares que a chamam a si. Só isso pode explicar as injustiças sociais que, em permanente crescença,  marcam o quotidiano desta sociedade em convulsão.   

     Certo é que se antes alimentávamos a esperança de uma vida melhor quando - e se - o regime mudasse, verificamos - quatro décadas passadas sobre a tal manhã de Abril - que tudo mudou de facto: o português comum é hoje mais precário do que antes, sendo, para cúmulo, acusado pelos que se passeiam pelos corredores do poder de ser o causador da degradante penúria a que Portugal chegou. Antes era Salazar o culpado da pobreza em que nos arrastávamos, hoje somos nós, cidadãos, o alvo para que apontam os génios que - eles sim - alimentam o plano de empobrecimento em curso.

     Coisas do destino.  

     Bem… desculpas apresentadas, deixo ficar a promessa de que estou de volta. Virei aqui com a assiduidade possível para repartir com os leitores curiosos ou de passagem uma ou outra experiência ou memória singular por mim vivida nesta longa viagem através do tempo. Para além disso, apenas um ou outro apontamento sobre o desvario que vai por aí…