10 de outubro de 2012

“O país está de tanga!”

Luís Farinha


Recuando no tempo recordo ainda quando há anos o então primeiro-ministro Durão Barroso lançou o brado de alerta: "O país está de tanga"! Tratava-se de um aviso à navegação, aviso que teve o efeito de um balde de água fria atirada pela cabeça abaixo dos que já se convenciam de que estávamos próximos dos nossos vizinhos europeus no que respeita ao nível de vida.

Será por isso, crêem agora muitos, que a supracitada frase de Barroso esteve na base e deu motivo à sua inopinada "fuga" para Bruxelas, deixando perplexos os que ingenuamente acreditaram nas suas promessas eleitorais. Mais ainda quando, na cerimónia da tomada de posse, o ouviram jurar que iria cumprir com honra o lugar para que fora designado.

É provável que outros primeiros-ministros antes ou depois dele se sentissem obrigados a não aceitar o emprego que lhe ofereciam em Bruxelas, respeitando a palavra dada, mas ele lá saberá por que terá decidido da maneira tão pouco edificante: a verdade é que “mandou às malvas” o compromisso tomado com os portugueses e despediu-se “à francesa” como quem diz… “quem vier atrás que feche a porta e, já agora, que não se esqueça de apagar a luz”. Atrás de si deixou o caos. Decorria o ano de 2004.

Se nessa altura Portugal estava de tanga, hoje provavelmente até a tanga já lhe caiu.

O País atravessa o momento mais crítico das últimas décadas… isso é incontestável. A tal ponto que até já não vale a pena os mais idosos gastarem as meninges na ânsia de preverem o que lhes está guardado para resto dos seus dias, enquanto os mais novos vão perdendo a esperança de que melhores tempos virão, antes de serem velhos.   

A crise veio para ficar, é fácil de entender. O que é verdadeiramente assustador é o país que vamos legar aos nossos filhos, netos e, se calhar, aos bisnetos. Isso é que é inquietante. São eles que herdarão os prejuízos dos pecados e excessos hoje cometidos pela sucessão de políticos mal amanhados que, por azar, nos têm saído em rifa.

Por agora já muita gente faz votos de que, face à impossibilidade desta penúria melhorar a curto prazo, pelo menos que as coisas não fiquem muito pior do que já estão. O que, convenhamos, parece uma miragem se levarmos em conta o cenário actual.

Na televisão, rádio e jornais vimos e ouvimos opiniões e debates alarmantes sobre a tempestade que nos avassala. Neles faz-se a análise da mais que precária situação económica presente, ao mesmo tempo que se contestam as medidas que os actuais governantes entendem como inevitáveis. Enquanto isso, o povo vai aos poucos, finalmente, acordando da letargia a que se tem acomodado, considerando agora os excessos e abusos contra si cometidos ao longo dos últimos meses. O anúncio da projectada alteração da Taxa Social Única (TSU) foi, por assim dizer, a gota de água que fez transbordar o copo já cheio de outros desmandos igualmente iníquos perpetrados contra o povo da Nação. Parece, assim, ter chegado o momento de dizer: basta! Daqui se poderá concluir que daqui para a frente já nada será como dantes. Basta que levemos em conta a manifestação do Terreiro do Paço em 15 de Setembro passado e as que se lhe sucederam.

4 de outubro de 2012

Lembrar o passado em Lisboa


Luís Farinha


Eu não sei se isso acontece convosco. Não sei se, como eu, também lhes dá de vez em quando para recordar o tempo da vossa juventude, como se o estivessem a viver de novo. A mim acontece-me, principalmente quando vagueio por esta Lisboa que foi o berço e o espaço geográfico da minha vida inteira. Acontece-me também quando, fechado nos silêncios que vão sendo cada vez maiores, tento evocar os amigos (homens e mulheres) que foram ficando pelo longo caminho que deixei para trás.

Umas vezes, as recordações deixam-me feliz; outras, pelo contrário, trazem-me alguma tristeza. Tudo isso porque, como vocês sabem, a vida de cada um de nós não tem, exactamente, aquela cor rosa suave com que muitos, à viva força, a querem pintar.

O que interessa, meus amigos, é que no balanço da vida vivida de um sujeito como eu, que já começou a contar o tempo em sentido decrescente, o saldo seja francamente positivo, como foi o meu.

Por falar disso e por estranho que pareça, a verdade é que o balanço que a maioria de nós faz da vida que deixou para trás, é quase sempre positiva. E isso, porque se dos episódios que vivemos fizemos um bom aproveitamento, então os que rotulamos de menos felizes servem, pelo menos, para enriquecer a experiência que mais tarde ou mais cedo acaba por dar frutos.

É claro que há também quem da vida não consiga extrair ensinamento nenhum, por mais inteligente que se julgue, mas isso não vem agora a propósito…

No fundo, só é pena que quando a vida já nos ensinou tudo o que havia para aprender, quase sempre já é tarde para utilizarmos as lições que ela nos facultou.

Talvez seja por isso mesmo que hoje me limito a olhar com saudade para o tempo que passou, convencido que se uma máquina do tempo me levasse de volta à juventude que ficou para trás, tornaria provavelmente a fazer os mesmos disparates, os tais que hoje não passam de recordações prestes a extinguir-se, como eu próprio me vou extinguindo ao correr imparável a caminho do pó de onde um dia vim. Contudo, de uma coisa estou eu certo: essas vivências ajudaram a fazer de mim o velho que hoje sou e de que não me envergonho.

Chamem-lhe nostalgia, saudade, o que quiserem. Para mim, recordar é apenas um dos poucos exercícios que me restam, porque velho que sou, só me sobra o passado, já que o presente pouco tem de atractivo.

Dizia eu que as recordações me assaltam com mais frequência quando vagueio por Lisboa. Porém, verdade seja dita que, na cidade grande, já poucas referências vão sobrando do tempo em que ela, mais humanizada, era um encanto para os olhos e um prazer para os sentidos.

Tal como acontece com a vida que até agora vivi, Lisboa não é hoje mais do que uma vaga lembrança perdida nos fumos do tempo. Tempo que ficou para trás e que jamais voltará.

No fim de contas, meus amigos, é sempre penoso virar a última página de um belo livro que se leu com prazer.