13 de fevereiro de 2015

Histórias antigas

Foi há muitos, muitos anos
… meio século, talvez mais,
quando eu a conheci.
Foi no miradouro do Monte
no velho bairro da Graça.

Num tempo
em que a noite
não era berço do crime
juntavam-se, no mirante
com vista para a cidade,
jovens, idosos, famílias,
em busca de algum descanso.

Duas senhoras, sozinhas,
suspendem o seu passeio
os olhos postos em mim,
… afastado, com amigos.
Mãe e filha, assim cuidei,
só assim podia ser…
o que logo confirmei
quando ao passarem por mim
a senhora, cutucando-me,
sorrindo, me perguntou…
É o filho da Virgínia?
Que sim, eu respondi,
… "pois então nós somos primos!"
e explicou por quê…
Disse-me logo quem eram
e referiu seus nomes.
"Em segundo grau apenas
mas mesmo assim parentes!"
acrescentou a senhora
já de sorriso alargado.

A jovem, muda, circunspecta
foi a tudo assistindo
sem se meter na conversa.
Olhava-a de soslaio
nos meus 19 anitos:
esbelta, rosto bonito
simpática, muito agradável,
16 anos apenas,
corpo e pose de alguns mais…
fiquei tonto, lembro bem
a impressão que senti.

O namoro começou
um breve tempo depois
sem o pedido formal.
O convívio resultou
do apelo dos sentidos
que ambos partilhávamos.
A intimidade cresceu
tornando-se consensual
eu quero-te e tu me queres,
o destino está traçado!

Três anos assim passaram
sem cansaço nem recuos,
sem excessos ou abusos.
Um beijo acontecia,
mas nunca disso passámos
… o namoro, nesse tempo,
bem diferente do de agora
não consentia os excessos
que hoje baralham tudo.

Mas um dia
…há sempre um dia
em que os sonhos se desfazem,
culpa minha, estou bem certo
porque a deixei esperando,
sem palavras, sem desculpas.

Outra mulher apareceu
… não namoro, é evidente,
mas que tudo me ofereceu.
Fui atrás da utopia
que o resto me fez esquecer,
e quando o caso findou
era já tarde demais…
Ela seguira outro rumo
outra vida, um novo amor,
… deixou-me só a lembrança
dum sonho que se desfez.
 
Os anos foram passando
no seu caminhar constante,
uns nascendo… outros morrendo
sem paragens, sem detenças
e dela nunca mais soube.

Até que…
recusando-me a partir
para o outro lado da vida
com o olvido a acompanhar-me,
procurei-a… encontrei-a
e a ela me apresentei.
Quem era eu, perguntou,
talvez pensando o pior…
o 'teu primo', não te lembras?
Queria dizer-te adeus…
Olhou-me de cima abaixo
não querendo acreditar
até que, voltando a ela,
recuperando a lembrança,
um sorriso me lançou
e os braços me abriu
…com algum constrangimento.
Falámos uns dez minutos
e parti, dizendo adeus,
com pena de não ter visto
os espelhos da sua alma
escondidos atrás duns óculos
que a moda agora impõe.

Luís Farinha