29 de agosto de 2012

O adultério é tão velho como o mundo!

Luís Farinha
  
  
É uma verdade incontestável e a prová-lo estão vários capítulos da história, que nos contam casos ocorridos com personagens que a história registou e perpetuou através dos tempos.

Sendo verdade, mesmo assim tenho para mim que a infidelidade conjugal tem vindo a acompanhar o avanço da sociedade pelos caminhos tortuosos da modernidade.

Na verdade, parece que tudo se conjuga para que a tão exaltada "fidelidade no casamento" esteja a tornar-se um conceito démodé a que só os mais velhos ainda se atêm.

E não deixam de ter alguma razão os que assim se expressam acerca desta velha questão...

Noutros tempos, o casamento era coisa para toda a vida! Os votos e as juras de fidelidade eterna eram para ser levadas a sério - pelo menos para a maioria dos casais. Isto, porque nesses tempos recuados havia já muito boa gente que fazia essa jura... mas que depois, vencida pela rotina que tudo adormece, lá acabava por dar a chamada “facadinha” no matrimónio.

Hoje, pelo contrário, ainda antes de "darem o nó", os jovens já vão dizendo, assim numa espécie de pré-aviso e com toda a naturalidade, que "se o casamento não der certo, estamos sempre a tempo de ir cada um à sua vida..."

... e o resultado dessa predisposição está bem à vista de toda a gente.

Actualmente, quantos casamentos se salvam do naufrágio? E quantos não acabam, de facto, na separação, pura e simples? Devemos aceitar a teoria de que isto tem algo a ver com a materialidade da sociedade dos nossos dias?

Pensando bem, sim... até talvez tenha ligação!

A mulher está mais emancipada do que antigamente, porque o ter de sair de casa logo pela manhã para cumprir a sua parte na angariação do "pão nosso de cada dia", a tanto a obriga. E quando regressa a casa, depois de um dia de trabalho a dar no duro, carrega consigo o "stress" produzido pelos problemas laborais, pelo medo de perder o emprego, pela luta pela sobrevivência, pelo ter que aturar patrões, chefes e colegas...

...e, em muitos casos, qual é o ambiente de intimidade que vai encontrar no "doce ninho" caseiro?

Talvez por isso mesmo, ela se veja, de repente, perante a tentação de uma evasão a tudo isso, perante o desejo insistente de fugir à rotina, de se "vingar" do tanto que a vida lhe exige e do tão pouco que recebe em troca...

Depois, há também a descoberta de outras formas de encarar os preconceitos e nisso os meios de comunicação, nomeadamente a televisão, têm uma grossa fatia de responsabilidade; que o diga quem dedica muito do seu tempo a ver as intermináveis telenovelas lamechas com que somos inundados...

Mas... a infidelidade vem também do elemento masculino do casal, do marido, dirão os leitores...

... é verdade, e também com ele, é válido o que eu disse acerca das esposas, evidentemente. No fim de contas, a verdade é que a carne é fraca e as tentações do mundo actual são mais que muitas! Ao mesmo tempo, o casamento é hoje, normalmente, o desfecho natural de paixões que o tempo se encarrega de desvanecer mais ou menos rapidamente; só muito raro ele, o casamento, é o remate normal do desejo de compartilhar, não só a cama, mas também a própria vida.

Enfim, amigos...

É altura, penso eu, de alguém se lembrar de perguntar: “mas... a que propósito veio ele hoje falar disto?”

Pois é, meus caros, realmente nada acontece por acaso. Se em jeito de conversa informal decidi hoje falar da infidelidade conjugal, é porque tomei conhecimento de mais um exemplo de que no melhor pano cai a nódoa. Desta vez, a nódoa caiu na vida de um casal que muito estimo. Duas pessoas cuja vida em comum eu considerava acima de uma situação desse tipo.

Infelizmente aconteceu o que eu menos esperava. O que prova, além do resto, que na vida, afinal, nada pode ser tomado como definitivo.


23 de agosto de 2012

Vamos reflectir…

Luís Farinha

Penso que é tempo de reflectir sobre os valores que têm vindo a desaparecer, tornando o mundo menos belo, as pessoas mais feias, o dia-a-dia cada vez mais sombrio.


Ultimamente dá-me muitas vezes para ficar a pensar no que vou deixar para trás. Fico a pensar, sobretudo, no bem que não consegui fazer, no amor que não fui capaz de dar, nas boas acções que deixei por realizar. E quando isso me acontece fico desolado, acreditem. Porém logo concluo que é tarde para corrigir o que só agora considero com importância bastante.

Provavelmente porque tenho consciência de que o tempo que passou foi para mim bem mais longo do que o futuro que imagino à minha frente, dou comigo a tentar fazer o balanço do que deixo para trás. Penso que é tempo de reflectir sobre momentos que não cuidei de preservar, agora que os valores que tornavam a vida mais aliciante e apetecível têm vindo a desaparecer, gerando um mundo menos belo, pessoas mais feias, um dia-a-dia cada vez mais sombrio.

Mas será que as pessoas, tal como acontece comigo, ainda sentirão capacidade para pensar nessas coisas? Ou esses são valores que a sociedade fez cair em desuso e eu é que, em desespero, a eles me agarro para pensar que a minha vida podia ter sido diferente do que foi se tivesse parado para pensar?

Quando olho à volta, verifico que hoje se tomam como qualidades formas de comportamento que antes eram consideradas autênticas aberrações de carácter. E os exemplos disso são-me oferecidos pelo próprio ofício que escolhi, o jornalismo, que se transformou num espectáculo quase sempre deprimente onde a “notícia” se mede, não pela sua importância intrínseca mas pelo efeito que se espera venha a causar. E, igualmente, pela classe política, cada vez mais falha de pudor, prometendo o que de antemão já sabe que não vai cumprir, enganando deliberadamente os eleitores.

Uma coisa é certa: a sociedade em que hoje vivo não é, nem pouco mais ou menos, aquela que eu imaginava nos tempos em que, jovem que eu era, ainda mantinha em pleno a capacidade de sonhar. Se então não canalizei esses sonhos como devia e podia, a culpa é só minha, pertence-me por inteiro, talvez porque não fui capaz de intuir o futuro.

Entrado na idade mentalmente adulta tenho vindo a assistir à transformação da sociedade nesta coisa feia que hoje é. Vejo valores antes essenciais, transformarem-se em excrescências dum sistema corrupto. Testemunho a consagração da vacuidade e a apoteose do protagonismo. Com surpresa, constato que tudo se vende e compra, inclusive o respeito próprio. A palavra dada, o compromisso inviolável, passaram a ser coisas vazias de sentido. A vergonha, que antes açaimava a indignidade, está hoje afastada dos compêndios da conduta pessoal. Evidente é a glorificação inebriante do poder económico que tudo impõe de acordo com os seus interesses privados. Sempre nessa esteira, para muitos dos seus sectários toldados pela determinação posta nesse propósito subjugante a honra torna-se elástica e o amor-próprio, por tão incómodo, sempre acaba por cair em desuso. Acreditem, tenho pena desses pobres-diabos, os ricaços que, na ânsia demente da insaciável sede de importância e do vício da ostentação a qualquer preço, ficam até incapazes de raciocinar que o dinheiro, os bens materiais e o poder a todos os níveis não são, como pensam, coisas imperecíveis. É assim, alimentando a pueril ilusão de pertencerem a uma casta dilecta vão exaurindo a sua própria existência, a única que lhes foi concedida, deles restando, no fim do caminho, um feixe de ossos anónimos ou um punhado de cinzas que retornarão à terra que outros hão-de pisar.

É esta a sociedade consagrada no começo do 3.º milénio. É este o mundo que legamos aos vindouros.

21 de agosto de 2012

Os labirintos da droga

Luís Farinha


Há razões para acreditar que chegaremos a um tempo em que nos vamos envergonhar do país que deixamos aos nossos filhos

O comandante da Divisão da PSP interrompeu a entrevista que me estava a dar e olhou para os recém-chegados com o ar ausente de quem já está habituado a cenas como aquela. Na esquadra acabavam de entrar dois agentes e com eles um jovem, seguro por um braço. Soube logo a seguir que se tratava de um toxicodependente com passagens habituais pela polícia. Um dos muitos que para satisfazerem o vício não recuam perante nada, inclusive o tráfico e o roubo. A impressão causada por este episódio veio-me confirmar que a abordagem aos problemas da toxicodependência não pode continuar a ser feita com discursos, apelos, processos de intenções com o único propósito de acalmar a turba.

Agora, quando para este flagelo já poucas são as hipóteses de cura, é que todo o mundo lamenta o ponto a que se chegou. Fazem-se e desfazem-se leis, inventam-se [no papel] esquemas de luta contra a proliferação da droga, abre-se – aqui e ali – mais um centro de recuperação [retiros que não passam de meros paliativos face à complexidade do problema], organizam-se tímidas campanhas para desincentivar o consumo, enfim... como baratas tontas procuram-se meios para remediar hoje o que antes, e a tempo, a sociedade não soube prevenir.

É errado pensar que a toxicodependência está consignada a alguns países, a algumas regiões, a determinadas cidades, a uns quantos estratos sociais. Não, o flagelo está disseminado por todo o mundo e vive ao lado de todos nós. O jovem que nós conhecemos, a menina que vimos crescer, o filho do nosso amigo, a nossa própria filha, ou filho, podem ser, sem que disso suspeitemos, consumidores habituais de droga, escravos desse vício maldito.

Os sinistros traficantes da morte insinuam-se nas escolas dos nossos filhos, nos nossos postos de trabalho, no café que frequentamos e até nas esquinas do bairro onde vivemos. Como ratos, eles proliferam por todo o lado, promovendo o hábito, semeando a desgraça, impondo o seu comércio miserável.

Instituiu-se o "Dia Mundial da Luta Contra a Toxicodependência", uma espécie de grito de alarme e de apelo desesperado de quem já pouco mais pode fazer. Entretanto, todos os dias mais jovens continuam a morrer, vítimas do vício odioso. Jovens para os quais a vida era, ainda ontem, um mundo de promessas. Todos os dias os jornais nos contam histórias de mortes desnecessárias de jovens que acabam no vão de uma escada, numa retrete pública ou noutro tugúrio infame, como se, de repente, tivessem decidido jogar a própria vida numa última e derradeira dose.

Entretanto, alguma coisa mais precisa de ser feita, quanto antes. No tempo que nos resta para nos redimirmos da acomodação cúmplice a que nos temos remetido durante anos seguidos. Só assim, talvez um dia não tenhamos de nos envergonhar do mundo que deixamos às gerações que hão-de vir.

18 de agosto de 2012

Falando de leituras

Luís Farinha


Era ainda criança, 9, 10 anos, quando – vá-se lá saber porquê – apanhei o hábito (ou o vício?) de ler. Sem pruridos de escolha, livro que me caísse nas mãos era de imediato devorado, acontecendo que, na maioria dos casos, nada restava dele para o dia seguinte. Dado, emprestado, cedido pela biblioteca ambulante que todas as semanas, em dia certo, estacionava no Jardim da Graça, o velho bairro de Lisboa onde nasci e vivi metade da minha vida, certo era que nesse período distante a leitura era o meu passatempo preferido. Percorri Camilo, Eça, Torga, Herculano, Aquilino, Virgílio Ferreira, à mistura com outros, muitos outros autores portugueses que não tiveram talento ou tempo para marcar lugar na história da literatura. Em dada altura, saltei para os brasileiros Jorge Amado, Érico Veríssimo, Drummond de Andrade, Assis e uma lista infindável de policiais de bolso, numa amálgama de letras que se tornaram companhia cúmplice de noitadas bem passadas pela madrugada adentro, sempre atento ao “controlo” paterno para quem o gasto desnecessário da luz do candeeiro de petróleo ou das velas de parafina era absolutamente interdito. Quantas páginas virei debaixo dos cobertores para que a luz da vela não denunciasse a minha infracção às ordens impostas pela escassez económica reinante nos tempos da minha infância. Os “missais”, (era esta a designação intencionalmente depreciativa como lá em casa eram apodados os livros) vinham emprestar significado às palavras que mais adiante ouviria ao meu pai quando eu, dando vazão ao que me ia na alma, mostrei o firme propósito de continuar a estudar mal terminasse a instrução primária: “cá em casa não há espaço para doutores!” dizia, como se fosse ponto assente que “estudar” era um privilégio de ostentação exclusivo das famílias mais ou menos abastadas. Outros tempos, penso hoje, esbatida que está a decepção que então sentia, calado. Só mais tarde, já dono do meu querer, tive ocasião de preencher lacunas que ficaram abertas à espera de melhores dias. Cumpri o meu destino, atrevo-me a julgar. E isso serve-me de compreensão e consolo no ocaso duma existência muito vivida. As decepções vão-se diluindo ao longo de cada etapa vencida, aprendi, bem ciente, agora, de como a repetição dos equívocos em que tropecei pela vida fora contribuiu para a construção do céptico que hoje sou.

Do mal, o menos…
    
O tempo passou e ultrapassados que estão os oitenta recordo o meu pai com imensa saudade. Como hoje gostaria de ouvir a sua voz severa a ordenar-me: “acaba lá com o missal e apaga-me essa luz, se faz favor!”

Sorrio, mas não é por maldade, asseguro-vos…


*

Falando de leituras, permitam-me trazer aqui uma ocorrência curiosa, recente e que deveras me apraz contar-vos.

Leitor compulsivo, como já referi, confesso que ainda hoje – e talvez mais do que nunca - os livros continuam a ser a minha praia, como agora se diz. Romance, ensaio, biografia, história, policial… confesso a minha dificuldade em assumir preferência, pois se o conteúdo é apelativo e para cúmulo está bem escrito, qualquer livro suscita de imediato o meu interesse. Foi isso que aconteceu com a obra que acabei de ler, três volumes de peso cujo autor, confesso, me era desconhecido.

Fazendo a minha ronda habitual aos expositores da livraria que habitualmente frequento, deparei com um livro que desde logo me espevitou a curiosidade. O autor, um jornalista de nacionalidade sueca, prematuramente falecido, nada me dizia, como já referi, mas logo me apercebi que a sua escrita era fluida e isenta daqueles preciosismos linguísticos tão em moda, agora, mas dos quais confesso, começo a ficar cansado.



“Os homens que odeiam as mulheres” é o título do primeiro volume duma trilogia designada “Millenniun”. O autor: Stieg Larsson, era um jornalista e activista político olhado de soslaio pela extrema-direita sueca e alvo de várias ameaças de morte feitas por gente incomodada com a posição política que, enquanto jornalista, assumia publicamente.

Só a meio do terceiro volume da trilogia Millennium decidiu procurar editor para a obra a que deitara mãos. Quis o destino, porém, que não tenha assistido ao sucesso internacional em que a mesma haveria de se tornar, com cerca de 15 milhões de livros vendidos. Larsson morreu repentinamente, vítima de um colapso cardíaco fulminante (segundo a notícia oficial) ao subir apressadamente ao 7.º piso do prédio onde estava instalada a redacção da revista da fundação por si criada, a Expo, através da qual denunciava as poderosas organizações da extrema-direita do seu país. Tinha 50 anos.

Voltando à prometida ocorrência, nessa primeira noite de leitura do livro recém- adquirido (coisa para 539 páginas…) logo me apercebi da singularidade e da força emanante da história ali contada. Assim, num impulso repentino peguei no telefone e liguei para a livraria, no centro comercial, e fiz a pergunta que me impacientava: “Têm os 2.º e 3.º volumes da trilogia Millennium? Sim? Por favor reservem-me um exemplar de cada. Amanhã passo a buscá-los. Obrigado…”

Como já referi, terminei agora a leitura do último volume da obra. Foram, no seu todo, 2100 páginas lidas com incontida sofreguidão. Há muito que não assumia uma tarefa dessa ordem com tamanha absorção, não por culpa minha mas talvez porque, ao correr do tempo, me fui tornando mais exigente. Não terá sido por acaso que a Trilogia Millennium me prendeu à leitura com uma espécie de frenesim que me sabia tão bem. Daí o permitir-me pensar (como antes referi) que a culpa não é minha. Culpa, se alguém a tem, deve ser atribuída por inteiro a Stieg Larsson pelo talento enorme que teve a arte e o saber de passar para o papel.

Se a distracção, como aconteceu comigo, ainda não vos permitiu reparar na Trilogia Millennium aqui deixo a advertência: não deixem escapar a oportunidade de a compulsar.

Acreditem que vale a pena…

8 de agosto de 2012

Já basta o que basta!

Luís Farinha


Neste nosso martirizado país há duas áreas de criminalidade cuja frequência e gravidade têm vindo a crescer sem que - pelo menos aparentemente - sejam tomadas medidas susceptíveis de as minimizar. Refiro-me à pedofilia e aos incêndios que têm vindo a devastar o que resta da floresta portuguesa. É certo que a delinquência vem registando nos últimos tempos, na sua globalidade, uma gravidade preocupante, porém as que acima destaco parecem em vias de se tornarem de todo insanáveis por razões que escapam ao cidadão comum já assoberbado de medo por outras razões.

Não quero com isto significar que, tanto a pedofilia como os fogos postos [ou causados por descuido], sejam actos condenáveis recentes, mas lá que têm vindo a aumentar gradual e rapidamente isso é verdade. Basta acompanhar as notícias dadas à estampa diariamente para o confirmar.

Dir-me-ão (e é verdade) que antigamente, no tempo da outra senhora, a censura - com a sua obstinação no sentido de preservar a idílica imagem de Portugal como “um jardim à beira-mar plantado” ou um país de “brandos costumes” - portava-se como cão-de-fila não deixando a comunicação social dar conta do que, no seu entender, manchava a reputação bucólica da nação edificada e mantida em estado puro pelo senhor presidente do conselho de ministros de então. É igualmente verdade que nesses tempos a polícia (GNR incluída) não era ainda ensinada a tratar o delinquente comum com respeito e parcimónia. Era bruta a explicar as coisas e, mal entrava no posto levando o sujeito preso por arreata, em vez de começar a fazer perguntas ia logo cumprimentando e dando as boas vindas ao eventual criminoso com umas bordoadas, assim em jeito de apresentação. Seja porque os tempos eram outros ou lá pelo que fosse, a verdade é que as famílias podiam sair à noite a ver as montras iluminadas das “baixas” de Lisboa ou Porto sem medo de serem assaltadas ou maltratadas e de dia ainda não usavam o hábito de evitar as ruas pouco concorridas, sempre alerta, olhando de soslaio ou por cima do ombro.

Mas voltando à execrável pedofilia é de crer que tal crime vem de longe, de muito longe. Acontece, porém, que a relevância suscitada pela liberdade de imprensa trazida pelo 25 de Abril põe agora a nu um crime que antes era ocultado pelo antigo regime em nome dos tais “brandos costumes” a que já fiz referência. Acresce ainda o facto de que o abuso sexual das crianças é, em muitos casos, uma bestialidade que ocorre no seio das próprias famílias e, nesses casos, a vergonha suscitada por tais acções canalhas evita normalmente que o seu conhecimento chegue ao domínio público.

Outro caso, porém, é o que tem os incêndios como cenário. Fogos sempre houveram e a sua ocorrência sempre teve origem em três causas directas: 1. falta de prevenção na limpeza e vigilância das matas; 2. descuido dos seus utentes nas queimadas mal protegidas e 3. fogo posto. No primeiro caso é ao estado que devem ser imputadas as culpas. A falta dessa medida é notória e persistente vá-se lá saber porquê. No segundo, elas as culpas, são devidas ao descuido ou irresponsabilidade de quem por esta ou aquela razão frequenta os locais arborizados sendo sintomática da falta de civismo dessas criaturas. Repetindo-me: já que a limpeza das propriedades privadas é da responsabilidade dos seus proprietários a falta de cuidado na limpeza das mesmas ou da sua utilização indevida deviam ser fiscalizadas sistematicamente pelas autoridades, nomeadamente no princípio das épocas quentes e secas, penalizando com dureza os prevaricadores. Resta abordar aqui os incêndios popularmente designados de fogo-posto. O vandalismo, a embriaguez seja de que tipo for, a vingança pueril, o interesse monetário, a maldade na sua expressão mais crua, a imbecilidade e a loucura são geralmente as causas susceptíveis de transformar o ser humano num animal irracional capaz desse crime hediondo. Chegados a essa conclusão, resta às autoridades perseguir e privar da liberdade por largo tempo os autores deste desvario devendo essa acção ser entendida como uma prioridade da justiça. Só isso, conclui-se, pode levar os energúmenos a considerar que realmente o crime não compensa.
           
As entidades oficiais bem jogam com a abstracção dos números das estatísticas, tentando com essa engenharia aritmética mostrar que estão atentas aos problemas da nação, acabando quase sempre por concluir que, afinal, o diabo não é tão feio como o pintam. Senhores políticos, do alto dos meus muitos anos já vividos permito-me recomendar-vos que essa estratégia já deu o que tinha a dar. De estatísticas buriladas está o cidadão cansado. É árvore que já deu frutos… mas que secou.

Eu sei, nós sabemos que por vontade dos senhores governantes os problemas aqui enunciados não deviam ser focados assim tão frontalmente porque fazem prova da descorada operacionalidade de algumas cadeiras sensíveis do poder. Mas, como qualquer burro teimoso, não consigo alhear-me de que há mais anos do que aqueles que alguns dos senhores têm de vida me venho esforçando para constituir a pedra de tropeço de alguns políticos que têm vindo a alcandorar-se nos altos poleiros dos governos da Nação para melhor servirem os seus interesses pessoais e os do seu círculo de influência partidária.

Fiquemos por aqui…   

Vamos mas é arregaçar as mangas e trabalhar a sério pois é isso que o povo espera e precisa.

Medidas, senhores, medidas…

Deixemo-nos de querer mostrar a beleza da montra, quando no armazém a indigência é deprimente.

Já basta o que basta!