30 de dezembro de 2012

Portugal, uma nação ajoelhada

Luís Farinha


2012 chegou ao fim sem honra nem glória. Portugal conseguiu mostrar ao mundo como no breve espaço de um ano é possível reduzir a nada os anseios de um povo inteiro. Como a obstinação de uns quantos consegue comprometer – quiçá irremediavelmente – o futuro duma Nação.

Falta de experiência, diz-se…
  
Ser inexperiente não é crime. Lamentável é alguém sem preparação adequada atrever-se à governação dum país, sem consciência das consequências funestas que pode desencadear com tamanha leviandade.
“O Bispo de Setúbal disse que, se fosse presidente, nomearia ‘um governo de pessoas competentes, que soubessem governar’. Salientou ainda que um ministro deveria ir a uma junta de especialistas para ser avaliado, antes de ser nomeado.”
Terá razão D. Manuel Martins, porém mal estamos quando ao político pretendente ao exercício do poder falta capacidade bastante para se avaliar a si próprio. A menos, claro, que as eventuais sequelas resultantes do seu atrevimento sejam para ele um mal menor que o tempo sempre acaba por apagar. Há quem escolha Paris para fazer esquecer, outros o têm conseguido apenas com um bom período de abstinência política.
No decorrer de 2012 os portugueses tiveram motivos de sobra para se arrependerem da sua opção de voto. O ar sério de Passos Coelho, a sua palavra fácil e o apelo à vulnerabilidade dos cidadãos cansados do desatino instalado pela governação socratiziana, deram como resultado o actual estado das coisas. Iludidos pelas promessas que queriam ouvir e acreditando na capacidade governativa do novo personagem os portugueses acorreram às urnas de voto pondo a cruzinha no espaço a ele reservado. Eu fui um desses…
Em palavras simples, estampámo-nos contra a parede! Passo a passo mas num andamento sem desvios nem paranças foi-nos imposto o caminho da miséria. O desemprego, a pobreza, a fome e tudo o que daí resulta são agora o cenário que se nos oferece. E, o que é pior, sem quaisquer sinais de retrocesso à vista. As perspectivas são, aliás, assustadoras. Para cúmulo, os membros deste governo, imperturbáveis detentores do Poder, primam pela soberana indiferença que, em todos os seus actos, manifestam pelos pobres da nação e isso é o que mais dói, o que mais indigna os que não se inscrevem na lista privilegiada dos endinheirados ou dos que tiveram a arte de se colocar a jeito das sinecuras do regime. Aliás, é cada vez mais convincente a opinião de que tal política discriminatória é resultante de um plano macabro de destruição da classe rasa. Nem de outra maneira consegue ser entendido o obstinado empenho manifestado pelo governo no sentido de tornar os pobres ainda mais pobres, até ao insustentável. Não será isso o que se passa, convenhamos, mas que parece, lá isso parece! No breve espaço de um ano a classe média foi despromovida dessa condição social ingressando à força na camada desvalida. Entretanto, os que já viviam na escassez foram empurrados à bruta para a indigência. E se mesmo assim os “sacrifícios” continuam apontados aos que já pouco ou nada têm o que restará a Portugal e aos portugueses? Que raio de governação é esta? 
Voltando às declarações do ex-Bispo de Setúbal, D. Manuel Martins, “Todos os dias somos surpreendidos por medidas que nos ofendem, na medida em que nos tornam menos capazes de viver ou de sobreviver.” Estas palavras tocam o ponto fulcral desta espécie de opereta bufa que nos foi dado viver. E quando o senhor doutor Pedro Passos Coelho apareceu na televisão em ar compungido a dizer que ‘este não foi o Natal que ‘merecíamos’’ a taça transbordou. Então, uma pergunta se impõe: Se merecíamos outro Natal, por que não cuidou a tempo e horas que esse nos fosse oferecido? Afinal, quando o senhor doutor Passos Coelho se disponibilizou e foi nomeado para o cargo que ocupa foi para governar Portugal ou generalizar a miséria? É que pedir sacrifícios num período de crise a um povo que ainda come três refeições diárias é uma coisa, mas impô-la a quem já nem uma engole é outra bem diferente.
Contudo, estarão os cidadãos cientes da responsabilidade que nos cabe na situação actual que o país atravessa? Levaremos em devida conta os excessos por nós cometidos durante a aparente bonança que “abençoou” Portugal durante um largo período? Lembrar-nos-emos dos ouvidos moucos que fizemos quando soaram os raros avisos de contenção? Não! Continuámos a acorrer alegremente ao endividamento, à aquisição de bens e serviços que nos eram sugeridos pelos galifões empreendedores de negócios. Compre agora e pague depois! Precisa de dinheiro? Venha buscá-lo! E, enquanto durou este delírio colectivo que medidas foram tomadas pelos iluminados membros dos sucessivos governos para lhe pôr cobro? Nenhuma, talvez pelo contrário… Ajudaram à festa investindo ‘sem rei nem roque’ em obras faustosas e não prioritárias não se eximindo a autorizar salários e prémios principescos (quase sempre imerecidos) aos seus apaniguados. Como se atrevem, os de hoje, a olhar de soslaio os pobres deste país, tratando-os como responsáveis da triste situação criada e lançando sobre eles o anátema da culpa enquanto inventam novas formas de os empobrecer ainda mais?
É inegável a ostensiva animosidade com que o cidadão comum olha o actual executivo político que nos governa. Quando o secretário de Estado da Saúde, Fernando Leal Costa diz que "Temos uma enorme margem potencial de poupança que está muito nas mãos dos cidadãos", está mesmo a pôr-se a jeito para ouvir uma risada, mas quando lembra que os portugueses têm a obrigação de contribuir para a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS), prevenindo doenças e recorrendo menos aos serviços” é a gargalhada geral. Quer dizer, segundo o senhor Leal Costa os portugueses que recorrem aos hospitais em busca de auxílio na eminência de um AVC é por culpa sua que o fazem. O mesmo se passa quando se trata dum cancro, duma pneumonia, duma crise renal e por aí adiante. Enquanto isso, o Estado dá-se à comodidade de não promover políticas de prevenção das doenças. Nesta, como noutras situações, o papel dos governantes consiste, segundo tudo indica, em estabelecer, exigir, ameaçar e punir os pobres, já que aos ricos não convém incomodar.

16 de dezembro de 2012

O meu sonho por cumprir

Luís Farinha


A vida é mesmo assim, formada de algumas coisas boas, à mistura com muitas outras que nos perturbam até ao fundo da alma.

Meus amigos... a vida é tudo isso, mas é também a única que temos. E, mais não seja, isso é já razão bastante para não nos deixarmos vencer nas horas amargas, porque depois de cada instante há sempre outro que vem chegando e a verdade é que tudo na nossa vida só precisa de um breve instante para mudar.

É por isso, meus amigos que eu - apesar dos anos que já deixei para trás  continuo a acreditar que daqui a uma hora ou quem sabe se apenas a um breve minuto a vida me vai oferecer aquilo por que eu sempre esperei, que eu sempre desejei...

É uma postura optimista, um acto de fé, uma forma de estar na vida. Pode ser uma dessas coisas… podem ser essas coisas todas.

De qualquer modo, já atingi aquele estágio da existência em que só me resta assistir ao renascer das manhãs que ainda me forem concedidas. Teimosamente, mantenho viva a esperança de que, numa delas, o meu sonho tenha acabado por materializar-se. Que os homens tenham acabado finalmente por tomar consciência de que andaram tempo demais a cultivar a desordem, o caos, a instabilidade, sua e dos outros. Que neste mundo alucinado e alucinante em que me foi dado viver já não há motivos para a denúncia das injustiças que faziam parte do quotidiano. Quero constatar que cessou a ambição desmedida, a falta de sentido da honra, a valorização do vazio, o abuso do poder, a demagogia, a cultura do protagonismo. Que, embora tardiamente, foram por fim escorraçadas as moléstias que fizeram do mundo dito civilizado aquilo em que o transformaram.

A vida, meus amigos, não é bem aquilo que a maioria de nós sonhou, realmente não é. Contudo, é importante que não percamos a faculdade de sonhar, de amar a vida. É importante, sobretudo, que mantenhamos a perspectiva de que, para cada um de nós, tudo na vida pode mudar num instante apenas, bastando para isso um pequeno quase-nada e, sobretudo, que a sensatez desceu sobre as mentes deturpadas pela ganância do dinheiro, pela sede do poder, pela ausência dos valores que distinguem (consagram) o homem merecedor de um mundo melhor, o homem civilizado.

Recordo-me que quando era jovem quase sempre adormecia com um pensamento que me fazia feliz. Acreditava então que o dia de amanhã seria o tal em que, finalmente, me iria acontecer aquela grande aventura que eu esperava há muito tempo.

Era um pensamento ingénuo?
Talvez fosse, mas a verdade é que ele alimentou grande parte da minha adolescência e do período que lhe sucedeu.

E sabem uma coisa? Muitos anos depois, nesta idade em que normalmente as utopias já não comandam a vida, ainda dou por mim, de vez em quando, a adormecer com o pensamento de que o amanhã que aí vem é que me trará, finalmente, a realização do tal sonho que sempre me embalou. Será isto um sinal evidente de decrepitude? De senilidade? Aceito que pensem que sim porque – acreditem – teimoso que sou não consigo perder a esperança…

5 de dezembro de 2012

E depois, como será?

Luís Farinha


A minha mulher não pára de me acruzinar os ouvidos apodando-me de ‘protestante compulsivo’. Cansado dos seus remoques já não sei o que mais fazer para a convencer que protestar é um direito que me assiste. Que protestar é, além disso, um exercício a que a minha condição de cidadão cônscio me obriga.

Que “não vale a pena”, diz ela…

E insiste… “Eles estão-se borrifando para os teus direitos. Então tu não vês a indiferença…”

Realmente vejo e não gosto. Não gosto, sobretudo, que os meus escassos recursos tenham sido postos à mercê da máquina trituradora do senhor Gaspar, um técnico de contas que, baseado em complicados diagramas teóricos, permite-se dispor da minha carteira ao jeito dos “carteiros” da carreira 28 dos amarelos de Lisboa. Esta é, reconheço tardiamente, uma espécie de castigo merecido para quem, como eu, acreditando em balelas pôs a cruzinha no quadrado errado no boletim de voto.

Eu sei… pronto! Eu sei que agora já é tarde para me arrepender.

Ingenuamente, com o meu voto ajudei a criar uma situação que acabou por se virar contra mim ao ponto de pôr em causa a tranquilidade e a paz até aqui reinantes lá em casa e que ameaçam vir a complicar-se ainda mais.

“Lá estás tu atascado nas patranhas dessa gente!”, atira ela quando dá comigo a ler ou a ouvir as ‘últimas’ do dia.

Tudo isto porque criei o péssimo hábito de não perder os noticiários e debates políticos e económicos dos jornais e da televisão desde que, assustado até ao tutano, me apercebi de que estava a assistir – em crescente desatino – ao desabar estrondoso da sociedade portuguesa sem atinar com o que possa fazer para emendar o meu erro e impedir que isso aconteça. Além disso, figuras nas quais depositei o que me restava de esperança têm vindo a mostrar-me – com crescente veemência – quão fácil é enganar um povo inteiro. Homens na força da vida, bem falantes, persuasivos, transbordantes de argumentação acabaram por me revelar a sua insciência acerca das coisas da vida, do saber que só a vivência nua e crua pode amestrar. Ao correr do tempo têm-me vindo a mostrar uma cada vez mais transparente insensibilidade no tocante a questões relativas à experiência humana e social – valor preponderante para creditar qualquer aspirante a governante de uma nação.

“São ainda muito jovens…” pondera a minha mulher como a desculpá-los das traquinices que cometem.

São jovens, eu sei e até, consta, possuem incontestável valor profissional. Muito recomendáveis, portanto. Desde que não se lhes atribua, evidentemente, o papel de decisores em coisas que manifestamente não entendem, como as singularidades intrínsecas de um povo que, com uma trajectória de cerca de 900 anos, tem evidente dificuldade em estabelecer correlação aceitável com a actualidade arquitectada pelos iluminados que projectam um mundo novo controlado por uma oligarquia marcadamente orientada para o despotismo económico.

Em síntese, a situação de miséria para que os portugueses foram atirados. A crescente incapacidade de resistirem ao pandemónio sócio-económico instalado pelos novos donos do mundo. O desassossego, o medo, a revolta que grassa e se amplia assustadoramente na sociedade portuguesa são realidades que, por estranho que seja, parecem deixar indiferentes os governantes que se voluntariaram para desempenhar o papel de intérpretes desta tragédia. Como se de antemão soubessem que esse é o caminho que convém prosseguir com vista a uma mudança radical do até agora modus vivendi de Portugal.

Certo é que o povo português não pode inocentar-se do desgoverno financeiro que, no plano individual, causou a si próprio. Não haverá desculpas que justifiquem os excessos por si cometidos durante o “carnaval” que se instalou e cresceu no país nas últimas décadas. Contudo, isso não aconteceu por birra ou acaso. Não foi o cidadão comum que, a seu belo prazer, decidiu adoptar um modo de vida a que aspirava, naturalmente, mas ao qual não podia chegar. Outras foram as razões que o levaram aos excessos. O “Compre agora e pague depois”, o “Precisa de dinheiro? Venha buscá-lo! Ficamos à sua espera!” “Aproveite as facilidades que criámos para si!”. “Compre, adquira, leve… a prestações, com facilidades, sem sentir!” E, enquanto essas mensagens troavam nos meios de comunicação, outros preparavam os caminhos da abundância para si próprios. Com os aparentemente inesgotáveis apoios financeiros que só por milagre poderiam ser solvidos os bancos concediam empréstimos a investidores sem currículo e a pedreiros promovidos a construtores que se lançaram na compra de terrenos, começando a edificar casas de “sonho” para todos, alargando assim as periferias das cidades principais até à exaustão. E este louco bem-estar insuflado nas massas sub-repticiamente pelos novos experts das transacções por impulso foi implantando hábitos de consumo que antes não passavam de quimeras nunca satisfeitas num país pobre como Portugal. Entretanto, nesse longo cruzeiro de fantasia, a ousadia de advertências no sentido de alertar para os perigos da insolvência trazida pelas desassisadas facilidades oferecidas tinha uma resposta pronta: “As prestações são a única forma de termos o que precisamos”. Assim foi com as casas, férias, viagens, automóveis, roupas de marca, bugigangas caseiras, os últimos modelos de telemóveis e outros gadgets electrónicos para exibir aos amigos deixando-os de água na boca, enfim… um nunca acabar de coisas para comprar a prestações. E o resultado está à vista…

Posto isto, se para aí estiverem virados talvez seja de bom senso fazerem uma pausa afim de ponderar duas coincidências curiosas entretanto registadas: 1) Se olharmos com alguma atenção para o que se passa na Europa acabarão por constatar que não é só Portugal que sofre a inclemência de medidas de contenção económica e social aparentemente desordenadas. Países, como a Espanha, Grécia, Itália, Irlanda (uns mais do que outros, naturalmente) amargam situações similares embora, de maneira menos aguda, os sinais de desequilíbrio económico, financeiro e social sejam já visíveis noutros que normalmente são tidos como ricos. Daqui, a conclusão de que o mundo vive não um período de crise, mas antes uma metamorfose que objectiva o aprofundamento do fosso já visível entre os ricos e os pobres. Nunca como hoje a criação de uma nova ordem mundial foi tão evidente. Prova disso, asseguram os estudiosos empenhados em acompanhar esse movimento de transmutação (por cá inventou-se a REFUNDAÇÃO), é o cenário que vem tomando forma desde o surgimento da “crise” que abala o mundo, com destaque assinalável na Europa. 2) Todas as medidas de “recuperação”(!) económica-financeira decididas pelos governantes dos países em crise para – segundo afirmam – os tirar da fossa em que estão atolados têm mostrado um sinal comum que é significativo: essas acções, forma geral, apontam para um objectivo insofismável: contribuem para o aumento incessante da pobreza ao mesmo tempo que procuram favorecer a ampliação da riqueza das classes mais abastadas. Em Portugal, exemplo disso é o episódio da TSU (Taxa Social Única) que vai ficar para a história como exemplo do que pode ajudar a dar cabo do que resta de dignidade dum povo em profunda aflição económica e financeira. Ao contrário do mítico Robin Wood que roubava aos ricos para dar aos pobres, os indizíveis senhores que nos governam presentearam-nos com um plano brilhante que consistia na sábia aritmética de tirar aos pobres para dar aos ricos. Assim, às claras, sem receio das ilações (e reacções) que esta acção inqualificável não deixaria de provocar numa nação marcada pela penúria crescente. O resultado desta tentativa de inverter a lógica elementar acabou por mostrar que a arrogância tem limites quando a recusa de colaborar em tamanho insulto foi claramente repudiada por alguns dos que seriam seus directos beneficiários.

Pois é… a minha mulher não pára de me seringar, mas que acham? Eu decidi e está decidido! Enquanto em Portugal a liberdade de opinião e de expressão não voltarem a ser proibidas eu uso e usarei o direito de dizer que o rei vai nu. Depois…bem, depois logo se verá.

E fico-me por aqui. As notícias das oito vão começar…