21 de março de 2011

Confissões de um “homem-estátua...”

“GOSTO DE SER E VIVER DIFERENTE!”

Luís Farinha
(Reportagem e publicação em 04.Dez.1994)

   O que fará alguém optar pela estranha profissão de “homem-estátua”?
   Essa foi a pergunta que me fiz quando o vi, da primeira vez, em cima de um pequeno estrado, em plena Rua Augusta, em Lisboa.
   Lembro-me que fiquei ali, a olhar, durante largos minutos, preso não só da perfeição da sua postura, mas também a conjecturar sobre o que pode levar um jovem a escolher um modo tão pouco comum de ganhar a vida. 
   E, como sempre sucede quando me confronto com o insólito, logo comecei a sentir uma vontade danada de o entrevistar, de lhe perguntar coisas, de ficar a saber tudo a seu respeito.
   No dia seguinte voltei lá, à Baixa lisboeta, para conseguir comunicar com ele e pedir-lhe a entrevista. Mas não o vi, nem dessa, nem de outras vezes que tentei encontrá-lo.
   Nómada é a vida de um artista de rua. Imprevisíveis são os seus passos, os seus amanhãs, o seu futuro.
   E os meses passaram...
   Um dia destes, um pressentimento começou a martelar-me a cabeça. Sem saber porquê, alguma coisa me avisava de que ele, o “homem-estátua”, estava lá, em cima do seu estrado, parado no tempo, à minha espera.
   Fui... e ele lá estava realmente.
   A conversa que eu tanto desejava, tivemo-la, uns dias depois, num pequeno café de Paço de Arcos, perto da casa onde vive o António - o “homem-estátua” - que meio mundo conhece.

“Em Barcelona assisti a alguns espectáculos
de indivíduos a imitarem robots. E então pensei:
se um robot perdesse as pilhas, como é que ficava?
E então nasceu o homem-estátua”

   Sem pinturas, vestido como qualquer um de nós, António é um jovem comum. Bom conversador, inteligente, dissertando com inteiro à vontade e, sobretudo, com uma já larga experiência de vida, o que me contou aí fica a confirmar que a minha expectativa não crescera em vão...
   “Sou natural dos Pisões, Pataias, uma aldeia situada entre a Nazaré e a Marinha Grande. Vivi a infância num ambiente rural, numa família modesta que labutava no campo. Para fazer o liceu e chegar à Universidade tive sempre que trabalhar, porque embora os meus pais sempre procurassem apoiar-me, o orçamento familiar não dava para tanto”.
   Na Universidade de Coimbra, António Gomes dos Santos decidiu-se primeiro pela Matemática e depois pela Engenharia Geográfica, optando finalmente pela Geologia. Faltam-lhe apenas três cadeiras para obter a licenciatura que, segundo diz: "hei-de acabar um dia destes...", e ri-se, ante essa perspectiva.

   “Estava em Geologia e trabalhava, para me manter, nos Hospitais da Universidade de Coimbra. Tinha um cargo de alguma responsabilidade na secção de transportes, lugar que dava bastante trabalho embora ganhasse muito mal. Vivia sob uma forte tensão, acrescida pelo tempo que tinha que dedicar ao estudo, o que veio a provocar-me uma ‘neurodermite’ que me causou a queda total do cabelo. Então, porque o problema persistia apesar dos tratamentos que seguia, os médicos aconselharam-me a parar toda a actividade durante uns tempos.”

   Na altura, António tinha uma namorada que estudava Belas Artes em Perpignan, França. E foi para lá que ele partiu, fazendo uns biscates clandestinos para ir vivendo. Entretanto dedicou-se à prática do Hata Yoga.      
   Um dia, já um pouco recuperado, António decide regressar para completar o que tinha deixado por acabar: os estudos na Universidade. Porém, o destino tinha já feito planos diferentes a seu respeito...

   “Em Barcelona assisti a alguns espectáculos de rua com uns indivíduos a imitarem ‘robots’. E então pensei: se um ‘robot’ perdesse as pilhas ou as gastasse de repente, como é que ficava?”
   E ali, em plena Ramblas, nasceu o “homem-estátua”! Corria o ano de 1986.
   “Tudo  muito  rudimentar,  tanto  em  roupas  como  em  pinturas. Contudo, a 
verdade é que as pessoas paravam e ficavam a olhar para mim! E comecei a ganhar muito dinheiro. Daí ter ficado preso àquele local para todo o sempre. A tal ponto que todos anos volto lá, numa espécie de ritual a que faço questão de não faltar. Sabe, trata-se de um local que mantém uma particularidade que se vai perdendo por essa Europa: há uma total liberdade para o trabalho dos artistas de rua. Qualquer um, desde que não incomode quem passa, pode fazer o seu trabalho sem necessitar de autorização da câmara ou outra qualquer. A própria polícia faz a segurança velando e zelando para que não nos incomodem a nós. É exactamente o contrário do que se passa em Portugal, onde ainda se confunde o artista de rua com o marginal”. 

“Há seis anos bati o recorde mundial
da imobilidade, entrando para o
Guinness Book depois de 15 horas, 
dois minutos e 55 segundos sem me mexer.
Foi uma experiência única!”

   O desejo de ser e viver diferente das outras pessoas não acontece assim, de um dia para o outro, por qualquer razão furtuita. Normalmente, ele resulta de uma tendência que se pode entender como congénita. É algo que vive latente no indivíduo, o qual consegue algumas vezes, não muitas, sobrepor-se às convenções do seu meio-ambiente, levando por diante os apelos das sua natureza; outras, quase sempre, recalcando em si próprio atitudes que a sociedade docilizada reprova liminarmente, como inconvenientes.

   “As três mudanças na Universidade são, desde logo, um sinal evidente de que em mim germinava um desajustamento nem sempre inteiramente assumido. Inclusive, estive para seguir a carreira militar, mas também nisso dei um desgosto ao meu pai quando nem sequer o serviço obrigatório fiz. Aliás, desde muito novo que sempre procurei furtar-me ao convencional. Fui sucessivamente, resineiro, controlador de tráfego, cozinheiro... até no Hospital de Coimbra, onde trabalhei, a minha maneira de vestir não tinha nada a ver com o ambiente que ali se vivia. Resumindo: gosto muito de ser e viver diferente!”

   O “homem-estátua” já percorreu muita estrada. Na Europa Comunitária só lhe falta conhecer os países nórdicos. Já trabalhou também em várias cidades dos Estados Unidos e na Austrália, cumprindo contratos comerciais. Nestes dois países nunca teve ensejo de trabalhar na rua, o tipo de actuação de que mais gosta. Espera consegui-lo numa próxima vez. Por isso, cada "volta" à Europa demora-lhe cerca de quatro meses a completar. Ao continente americano e à Austrália vai, cumpre o contrato e volta. Quinze dias é o máximo que demora.

   “A rua é o meu local de trabalho predilecto, mas sou muitas vezes chamado para levar uma nota insólita a stands de exposições, como na FIL, por exemplo, e a montras de estabelecimentos. Curiosamente, a primeira vez que trabalhei numa montra foi ainda nos Grandes Armazens do Chiado, que infelizmente desapareceram no incêndio. Foi no Natal de 87, durante um mês inteiro.”

   Na sua carreira de “homem-estátua”, que já dura há longos anos, muitas coisas aconteceram, umas gratificantes, outras cuja lembrança não é muito feliz. É natural que assim seja, pois uma profissão tão singular como a sua parece constituir um desafio aos preconceitos renovado em cada dia. De tudo quanto lhe aconteceu, porém, António destaca um acontecimento que jamais será esquecido, por si e pelo mundo.

   “Foi uma experiência única! Há seis anos, na entrada do Centro Comercial das Amoreiras bati o recorde mundial da imobilidade, entrando para o Guinness Book depois de 15 horas, 2 minutos e 55 segundos sem me mexer. Quando toda a gente fazia previsões sobre qual seria o resultado de tudo aquilo, conjecturando sobre o estado em que eu ficaria, e supondo que dalí eu seguiria para o hospital, opinião de que compartilhava a própria equipa médica que sempre me acompanhou, eu entrei na ambulância, fizeram-me umas massagens... e em seguida fui beber uns copos com eles e com os membros do Guinness. As dores foram muitas, perdi uns quilitos, mas até hoje o recorde mentém-se... e algumas das consequências também: ainda hoje há quem me contacte oferecendo-me contratos por causa do Guinness Book.”

   Porém, como eu disse, nem só de boas recordações como esta se faz a história do “homem-estátua” português. Pelo caminho ficaram episódios menos felizes que ele recorda com alguma mágoa.

   “As más recordações têm tido sempre a ver com a polícia. Por exemplo: estava na Rua Augusta, aqui em Lisboa, as pessoas à minha volta a apreciarem o meu trabalho e a polícia, sem dizer uma palavra, chegou ao pé de mim, desliga a música, e em seguida, tratando-me como um ladrão ou pior ainda, meteram-me num carro, à força, e levaram-me para a esquadra. Embora com o meu trabalho esteja a fazer a divulgação daquela zona, actualmente sou obrigado a pagar uma licença anual à câmara, licença que me permite actuar, embora obrigatoriamente só naquela rua e naquele mesmo local, sem alternativa. No entanto, mesmo com essa licença, não é raro ainda hoje a polícia dirigir-se-me com modos bastante arrogantes. Em qualquer outro país isto nunca me aconteceu.”

“Fico alí a observar, 
como se não estivesse lá.
Depois chego a casa e escrevo sobre tudo o que vi, 
até altas horas...”

   Uma das questões que sempre me intrigaram no trabalho do “homem-estátua” é se a sua imobilidade se deve a uma invulgar capacidade de abstracção ou de concentração. É que, seja lá pelo que for, tem que resultar de um esforço de vontade que não está ao alcance de qualquer um. Imaginemo-nos completamente imóveis durante 10 ou 15 minutos, e mesmo sem concretizar o intento logo surgem as comichões, as piscadelas, a tosse... ou a vontade irreprimível de desatar a correr para qualquer lado.

   “É, sobretudo, um exercício de concentração. Para a conseguir, pratiquei Hata Yoga assiduamente, durante anos, numa versão dirigida não à meditação mas à concentração. Actualmente adoptei o Kum-nye, que são exercícios físicos retirados do Yoga tradicional indiano e chinês por um ex-membro dos 'marines' americanos, uma prática que proporciona uma concentração máxima sem abstracção.”

   Seja como for, é indubitável que um espectáculo constituído por duas horas de completa imobilidade não pode deixar de causar um desgaste físico apreciável.

   “Basta referir-lhe que a nível comercial e ganhe eu o que ganhar (e às vezes não tão pouco como isso...) nunca aceito um contrato que implique mais de três horas diárias de imobilidade, num máximo de cinco dias seguidos. Nos espectáculos de rua, para não sentir grandes problemas físicos, faço um máximo de quatro apresentações por semana, de duas horas cada. Quando por razões especiais, como acontece com as feiras e exposições, em que trabalho cinco dias seguidos com apresentações de três horas diárias, obrigo-me depois a estar em completo descanso duas semanas seguidas. Se o não fizer, as varizes atacam logo.”    

   Outra pergunta que me faço sempre que vejo o “homem-estátua” em actuação é por onde andará o seu pensamento durante as duas horas em que fica ali, alheio ao mundo que corre à sua volta.

   “Penso em tudo como se estivesse noutra situação qualquer. Mas é como se visse as coisas através de um micro ou de um telescópio. Tanto penso nas coisas em grosso modo, como me detenho sobre pormenores ínfimos que noutras circunstâncias não me ocorreriam. 'Porque é que aquela senhora põe os pés daquele jeito. Porque é que aquele senhor se veste daquela forma', enfim... coisas assim! Fico alí a observar, como se não estivesse lá. Depois chego a casa e escrevo sobre o que vi, até altas horas.”

   E que mundo é que ele vê do alto do seu estrado, enquanto a imobilidade o obriga a estar ali, parado, a olhar e a pensar?

   “Vejo um mundo demasiadamente agitado. Mas confesso que é apaixonante observar a vida daquela posição privilegiada. E é tão apaixonante, que tenho recusado várias ofertas de emprego que me permitiriam uma perspectiva futura mais aliciante, só porque não quero deixar o modo de vida que escolhi. Realmente a rua é onde vejo uma melhor compensação para o meu trabalho de “homem-estátua”. E quanto mais movimentado e frenético é o local onde me exibo, mais compensado me sinto. De resto, considero uma grande vitória quando faço parar uma pessoa mais de cinco minutos à minha frente.”

“Vai trabalhar malandro...
é o comentário mais comum em Portugal.
Já o ouvi tantas vezes
que os meus ouvidos deixaram simplesmente de o registar”

   É presumível que sejam muitos e variados os comentários que o “homem-estátua” ouve do alto do seu pedestal. Mas como reagirá ele às “bocas” menos agradáveis?

   “Vai trabalhar, malandro!" é o comentário mais comum em Portugal. Já o ouvi tantas vezes que os meus ouvidos deixaram simplesmente de o registar. Mas ainda há dias ouvi um comentário incrível: por razões que não vêm ao caso, estou separado da mãe do meu filho há cerca de um ano. Pois há três ou quatro dias atrás, quando eu estava em plena exibição, na rua, uma pessoa certamente amiga íntima da mãe da minha ex-companheira, pos-se a esbracejar na minha frente, com uma moeda na mão, a dizer que o dinheiro não era para mim mas para o meu filho e para a minha sogra! Enfm... um espectáculo montado em cima de outro espectáculo. Entretanto, no caderninho que está sempre no local onde trabalho, escrevem frases muito bonitas e que me dão muito prazer porque me incitam a fazer cada vez melhor. São pessoas isoladas e anónimas, grupos escolares, gente que gosta realmente do que faço. Em resumo, um comentário positivo anula muitas negativas.”

   António dos Santos (ou “Hã toino De lírio”, de seu nome artístico) já foi submetido a testes científicos pela Agência Espacial norte-americana NASA. As circunstâncias em que isso aconteceu são no mínimo curiosas...

   “Um dia apareceu no Diário de Notícias um anúncio que dizia: 'A NASA procura homens para a cama´. A seguir a este título chamativo lá vinha o que a Agência Espacial pretendia, de facto. Queria homens que se prestassem a ficar uma série de horas imóveis. Ora sendo eu recordista mundial da imobilidade, pensei: bom... eu sou o candidato número um a isto. Por coincidência ou não, nesse mesmo dia recebi em casa uma carta da NASA a convidar-me para a experiência, que consistia num estudo de micro-gravitação. Participei do mesmo com muito prazer.”

   António pratica diariamente a tal modalidade de Kum-nye, um sucedâneo do yoga indo-chinês. Com essa prática diária de duas horas mantém-se em forma para o seu trabalho. Contudo, a mesma não chega para debelar um problema que o acompanha desde criança: uma enxaqueca da qual nunca conseguiu descobrir a origem, nem a cura. Mas esse é um assunto a que já nem sequer dá atenção.
   Em contrapartida, dá muita atenção às letras.
   
   “Escrevi um livro que esgotou: ‘Alma e alucinações de uma estátua’ e tenho em preparação outro a que dei o título de ‘Afirmações de um animal’. Trata de coisas vistas pelo “homem-estátua” digeridas depois pelo cidadão normal que também sou. Actualmente vendo uns pequenos livrinhos, ‘Pensamentos de pedra’, escrito para mostrar às pessoas que, ao contrário do que muitos ainda pensam, em Portugal, eu não ando por aí a mendigar, mas sim a mostrar uma certa forma de arte corporal e a dar a conhecer o que povoa a cabeça de um ‘homem-estátua’.”

“Memórias de hoje
ou o pretérito perfeito
do futuro que não me espera”

   “Mendigar”: haverá quem pense que é isso o que “Hã toino De lírio” anda a fazer? Quando lhe dizem: “Vai trabalhar malandro!”, será isso que querem significar? É evidente que o trabalho do “homem-estátua” é muito difícil e não está ao alcance de qualquer um. Para exercer tão difícil mister há que possuir um sem número de predicados que estão longe, muito longe, do homem comum. Estar duas horas seguidas na mais completa imobilidade não é o mesmo que estar atrás de um balcão a aviar clientes ou andar pela cidade sentado ao volante de um automóvel com um palito entalado nos dentes. Estar ali feito “homem-estátua” exige muito mais esforço do que um trabalho comum. Esse é um facto tão evidente que só os mais obtusos não conseguem ver.
   Mas terá esse esforço a devida compensação?
   
   “Como já referi, tenho tido propostas muito aliciantes do ponto de vista económico. Só que, estou disso convencido, ao aceitar uma dessas propostas, ‘matava’ o “homem-estátua” em dois tempos. Assim, embora ganhando para o dia-a-dia sem grandes restrições, não me sobra o suficiente para constituir uma reserva que me coloque ao abrigo de problemas se não puder trabalhar. No fundo, estou consciente de que tenho um desgaste mais rápido do que um atleta de alta competição, e isso, claro, não deixa de me preocupar, como se compreende.”

   Se por fatalidade tal eventualidade viesse a ocorrer, lá se ia o “homem-estátua”, “Hã toino De lírio”. E aqui cabe uma questão pertinente: nesse caso, qual seria o futuro do cidadão António Gomes dos Santos? O que é que este pensa fazer se tal coisa acontecer?

   “Estou com 32 anos. Vou continuar nesta vida nómada, de que eu tanto gosto, até aos 35. Depois dedico-me talvez ao ensino do yoga, para o que estou devidamente habilitado. De qualquer maneira, o que fizer depois terá de estar ligado ao que faço agora. Antes, porém, ainda conto fazer uma carreira nos Estados Unidos, onde está muito na moda este tipo de trabalho, particularmente em S. Francisco, na Califónia; em Nova York (onde há uma senhora que faz de estátua da liberdade junto ao monumento com o mesmo nome). Não darei por terminada a minha carreira de “homem-estátua” sem fazer por lá uma digressão de rua. Depois, o futuro terá muito a ver com a minha resistência física, porque nem os médicos sabem dizer-me com razoável segurança até que ponto eu poderei aguentar esta vida.”

   Entretanto, como é que as pessoas amigas, os familiares, entendem e aceitam a profissão de “homem-estátua”, escolhida pelo jovem António dos Santos? Como é que qualquer um de nós reagiria se o nosso filho, irmão, marido ou amigo nos comunicasse: “Vou ser um homem-estátua!”?

   “No caso da minha família, pai, mãe, irmão, desde os tempos longínquos do liceu, quando me perguntaram se queria estudar ou trabalhar, fui responsabilizado pela minha vida. Mais tarde, quando, em Barcelona, decidi ser o “homem-estátua”, mandei ao meu pai uma carta e umas fotos, a reacção foi... ‘é mais uma 'loucura’, mas ele lá sabe o que há-de fazer da vida dele. Resumindo: aceitaram muito bem. O resto da família, que é bastante grande, dividiu a sua opinião: uns sim, outros não... mas no geral, não chegou a haver confrontação. Quanto à namoradas, elas têm-se apaixonado não pelo António mas pelo “homem-estátua”! Curiosamente, no relacionamento com a mãe do meu filho, nos primeiros 15 dias ela não conheceu o meu verdadeiro rosto, até que, enfrentando a própria família, saiu de casa para vir viver comigo. Claro que a família nunca aceitou bem essa ligação, acabando por dar no que deu: a separação.”

   “Memórias de hoje ou o pretérito perfeito do futuro que não me espera” foi título de um outro livro de prosa poética que António escreveu e que parece denunciar já a sua preocupação quanto ao futuro, o seu e o do mundo. As filosofias orientais, como o tauismo, têm sido matérias obrigatórias no percurso de formação intelectual de António, que as mescla depois com algumas teorias ocidentais, como os universos paralelos de Einstein e outras igualmente complicadas, suficientes para embaralhar as mentes de qualquer mortal que não se chame António Gomes dos Santos mas que a este oferecem uma concepção do futuro que escapa à compreensão da maioria.

   “Não sei mesmo se o futuro existe. Acho é que somos uma coisa em andamento, como o Universo. Tenho para mim que o futuro é uma expansão do tempo presente. Talvez seja por isso que não me detenho muito com a questão da reforma e coisas do género. Se calhar acabo por ter de pagar uma factura elevada se as minhas concepções da vida e do futuro estiverem erradas. Mas... depois logo se verá.”

   Conversar com um “homem-estátua” é, a um tempo, estranho e aliciante. Seja como for, no decorrer das duas horas em que alí estivemos, sentados, nem por um minuto deixei de perguntar-me que ser humano estaria por detrás daquele jovem que encontrou na imobilidade absoluta a forma mais plena de liberdade pessoal.

   “O ser humano que sou é aquele que o meu amigo tem estado a ver. Irrequieto, falador, exuberante. Sou o reverso mais completo do “homem-estátua”. Além disso, como qualquer outra pessoa, vivo muito de sonhos e do desejo de ser feliz.”
  
                                                                  ___________

Passaram 16 anos desde este meu encontro com o então jovem Hã toino De lírio. O vir falar dele agora mais não é do que uma resposta à inquietude que marca ad aeternum os que abraçam o jornalismo como profissão. Queiramos ou não, mesmo depois de passarmos o prazo de validade, à vulgarmente chamada reforma, continuamos a querer saber que destino tiveram os protagonistas das histórias que contámos. Há dias, passou-me pelas mãos o registo da reportagem sobre o ‘homem-estátua’ feita em 4 de Dezembro de 1994. De imediato senti o apelo: ‘que será feito do António Gomes dos Santos?’. Na hora seguinte estava à conversa com ele: 


Caro Luís
Continuo em forma, neste momento estou na feira internacional de  Frankfurt a realizar alguns shows. Nos últimos dois anos acrescentei a levitação às minhas estátuas vivas. Pode ver o que se passa comigo nos links abaixo.
Grande Abraço
Antonio
www.youtube.com/staticmantv
www.flickr.com/staticman
http://www.facebook.com/humanstatue
www.staticman.org 

2 comentários:

  1. Farinha podes falar comigo? tenho algo a te contar sobre o homem estátua, meu e-mail é aline7mantovani@gmail.com
    Obrigada
    Grande abraço.

    ResponderEliminar
  2. Luís, fui a Lisboa nas férias, passei pelo Antonio, Homem estátua, filmei e voltei ao Brasil, como tenho um blog/vlog, fui publicar um vídeo sobre a Padaria Portuguesa e nele o Antonio aparecia na frente, resolvi deixá-lo lá e pesquisar o nome dele na internet mas foi aí que eu me apaixonei pela bela história dele, tudo que envolve amor se parece comigo e não pude deixar de publicar para que o mundo o conheça, ele como eu descobriu quando criança o que queria fazer. Bem, queria agradecer a você, pois sem sua escrita isso não seria possível e não chegaria até mim, Obrigada, muito sucesso a você, e que DEUS deixe que você escreva muito! Histórias que parecem coincidências, mas que de fato ficam como destinadas.

    ResponderEliminar