26 de agosto de 2013

O português que se fala


Luís Farinha

 

 

     Sobrevoar Lisboa, de noite, no regresso de mais uma viagem de trabalho ou de prazer, é um gozo que se renova em cada vez que acontece. Pelo menos é o que eu costumo sentir. A última foi em 20 de Maio passado, no regresso de Lyon (França). Chovia quando embarquei, lá, e continuava a chover quando vi aproximarem-se as luzes da cidade de Lisboa. Num bom voo, como quase sempre, tentei cobrir aquele espaço de duas horas assistindo aos esforços dos assistentes de bordo (antigos comissários) a tentarem vender alguns artigos de discutível interesse e os jogos da raspadinha que, para minha surpresa, têm agora tanta saída lá em cima, entre as nuvens, como cá em baixo, nos cafés cá do meu bairro.

 

     Aterragem perfeita apesar da chuva persistente. Duas assistentes  portuguesas (antigas hospedeiras de bordo), na cabine junto à escada da saída, na cauda do avião, acompanhavam a operação de desembarque. Uma delas, armada de microfone, apresentava os habituais agradecimentos da companhia transportadora, à mistura com os avisos da praxe na hora do adeus. E foi aí que a coisa aconteceu. “Continua a chover, por favor tenham cuidado com os degraus, apõem-se nos corrimões”. Surpreendidas, ficaram a olhar o senhor que, na passagem, lhes recomendou a meia voz: “meninas, não se diz corrimões mas sim corrimãos” e iniciei a descida sem olhar para trás.

 

@

 

     Não sendo um 'crítico' no sentido em que, nos media, isso é entendido, não resisto à trazer aqui dois reparos que me causam uma espécie de urticária. Por isso aí vai...

 

Os 'Entões' estão na moda?

 

     Ouve-se todos os dias nas rádios e nos vários canais de televisão. Nestes, a moda pegou para valer. De microfone na mão, não há repórter que se preze que não avie meia dúzia de sonoros 'entões' durante uma intervenção de um ou dois minutos. É um regalo! Quase sempre a despropósito, o 'entões' saltitam de frase em frase salpicando a verborreia para que a notícia, o acontecimento, tenha mais emoção. Para que o público caia em êxtase perante tanto dinamismo jornalístico.

 

 

Exemplos ficcionados:

"É esperada hoje, no Porto, a chegada da rainha da Holanda afim de acompanhar a inauguração do 'Porto, Capital da Cultura'. Espera-se então que a rainha chegue por volta das 17 horas".

  

Ou:

 

Hoje, às quatro e meia da tarde, um grave acidente rodoviário pôs termo à vida de dois jovens de 23 e 29 anos. Uma viatura de alta cilindrada despistou-se então na recta do Dafundo, na Marginal, indo embater, de frente, numa camioneta de carga que seguia na direcção de Algés. Do brutal acidente resultou então a morte dos dois jovens que seguiam no BMW havendo ainda que lamentar ferimentos graves no condutor da camioneta. Quando os bombeiros chegaram ao local, poucos minutos após o acidente, já nada puderam fazer em favor dos dois jovens, limitando-se então a transportar para o hospital o motorista ferido.                

 

Ou:

 

"No Martim Moniz, em Lisboa, desabou um prédio que há muito ameaçava ruína.

Felizmente não se registaram então vitimas entre os moradores.

Foi ontem que a ocorrência teve então lugar numa das zonas mais tradicionais da Capital".

 

     Além de inaceitáveis por serem utilizados fora de contexto, estes "entões..." entram na lista daqueles lugares-comuns que os mestres designam por "bengalas" - expressões utilizadas apenas com o intuito de estabelecer a ligação 'começo, meio e fim' das frases que procuram a todo o custo adicionar emoção ao acontecimento que está a decorrer.

     É feio, inestético e confirma apenas a pobreza de recursos linguísticos do noticiarista.

     Embora muito menos frequente, o 'então' despropositado é já usado também por um ou dois 'pivots' televisivos. Daqui a teoria de se ter tornado moda a que alguns profissionais não conseguiram resistir. A confirmar-se essa eventualidade, torna-se ainda mais grave o que já por si me parece lamentável.         

 

Modismos (1)

 

     Ainda no âmbito da comunicação social falada houve tempos em que se tornou moda acrescentar a consoante "s" aos verbos terminados em "r". Assim, ouvia-se pronunciar frequentemente: "morrer´s" em vez de morrer; "viver´s" em vez de viver; "fazer´s" em vez de fazer; "ir´s" em vez de ir; "acabar´s" em vez de acabar; "sorrir's" em vez de sorrir; "escapar's" em vez de escapar; "escrever's" em vez de escrever; "falar´s" em vez de falar... Na prática, esta moda proporcionava frases com imensa piada, como: "Fique para ver's, é já a seguir's".

 

     A primeira pessoa a quem ouvi usar esta preciosidade, um novel apresentador que eu nunca vira antes, dava-se ares de grande vedeta. Profusa gesticulação, transbordante desembaraço, verbosidade fluida e uma forma estranha de a pronunciar. A incontida presunção de que dava mostras não demorou a arregimentar um sem número de seguidores. Rapidamente, aquele falar estranho transformou-se em moda irresistível, principalmente entre os recém-chegados à comunicação social falada. Hoje, muitos anos passados, a experiência acabaria por levar a melhor. Ele aí continua, na televisão, agora contido mas sempre fluente na palavra fácil, escorreita e despretensiosa. Um  apresentador aceitável.

 

Infelizmente, registo a continuidade desse modismo, que acabou por passar à história, na figura de um jornalista-pivot num dos canais generalistas. E sinto pena   que a sua sobriedade profissional não se estenda ao hábito malsonante dos 'esses' a terminarem os verbos acabados em 'erre'. A menos que tal anormalidade se deva a um defeito contraído na estrutura dentária, na língua ou no aparelho fonador. Se tal for o caso aqui deixo as minhas desculpas, consciente de que no melhor pano cai a nódoa.

 

Nota final (2)

 

     Creio que vale a pena explicar por que decidi trazer aqui estes dois reparos.

 

     É incontestável que o mundo está em constante mudança, porém nem sempre no bom sentido. Será por isso que sinto uma confessada relutância em aceitar o que se confunda com o mau gosto. A falta de brio profissional é, igualmente, um dos pecados que sempre me causaram arrepios, evitando por isso o contágio degradante que tal prática implica. Como jornalista de longo curso, vi - e continuo a observar - muitos sinais de degradação de uma profissão que em tempos idos criou grandes figuras mercê do zelo cuidado do seu desempenho. 

 

 

18 de agosto de 2013

Com sua licença, Senhor PM


Luís Farinha

  Permita-me, Dr. Passos Coelho, que lhe fale com franqueza: os seus actos enquanto chefe do governo têm vindo a demonstrar claramente – ao longo do tempo que leva no lugar que ocupa – que padece duma confrangedora carência de consciência social e humanista. Será isso, na minha opinião, que o impede de desempenhar com êxito pleno a função tão difícil que lhe foi confiada.

  Ostentando confrangedora insensibilidade, o senhor tem marcado os seus contactos com os dez milhões de portugueses que estão à sua mercê como se fossem os culpados da bancarrota que o País atravessa. E tal insinuação é falsa, como bem sabe, senhor primeiro-ministro. Os culpados desta desgraça devem ser encontrados em estratos que nada têm que ver connosco, os cidadãos rasteiros: políticos carreiristas, empresários de nomeada, especuladores financeiros sem carácter, ladrões furtivos que se escondem por detrás das posições-chave onde se delineiam os grandes negócios deste país em plena desordem social e económica à espreita de ocasiões propícias para desencadearem golpadas bem rendosas, corruptos e corruptores sem migalha de escrúpulos, gente suja que usa roupa cara enquanto se coloca a jeito para desviar para si ou para terceiros o que à Nação pertence. São eles e não o povo anónimo que, dando ouvidos aos apelos mil vezes repetidos pelos promotores do compre agora e pague depois, se atreveu a meter-se na compra a crédito de uma casa de duas assoalhadas para meter a família, de um carrito utilitário ou de uma ou outra bugiganga que a publicidade engenhosa dos grandes grupos de distribuição ainda agora lhes continua a enfiar pelos olhos adentro. O povo é fraco, senhor doutor, é fraco e talvez imprevidente, convenhamos, e os homens de negócios, no afã de embolsarem mais milhões, sabem bem como despertar-lhe o desejo de posse que vive latente no fundo dos seus anseios.

   Voltando à postura de juiz inclemente que o senhor exibe quando fala aos portugueses (lembro-me sempre de um professor que aturei na instrução primária…) concluo que de duas uma: está mesmo convencido de que somos nós, o povo, os culpados de tudo o que de errado e vil se passa em Portugal ou, não sendo assim, é porque o senhor carece da sensibilidade que se tem como indispensável a quem se voluntaria para desempenhar o cargo que lhe foi confiado.

   Perdoe-me a franqueza, senhor doutor, mas quando o vejo dirigir-se ao microfone para falar ao país e, com ar severo e dedo no ar, debita a sua reprimenda e anuncia a consequente punição que, mais uma vez, decidiu aplicar aos ‘culposos’, vem-me de imediato à ideia um antigo colega seu que ainda por cá andava há meio século atrás.

   E fico preocupado…
 
   Fico preocupado porque sinto reavivar a impressão de que o senhor doutor Passos Coelho parece não ter ainda entendido que foi escolhido não para dar continuidade ou cobertura à imundície que a súcia de espertalhões que o precederam no cargo que agora ocupa vieram espalhando ao longo de muitos anos. E é por isso que me atrevo a vir lembrar-lhe que o senhor foi eleito, exactamente, para acabar com esse crime. Que veio para acabar com as manobras de empobrecimento sistémico do povo, com o desígnio maquiavélico inventado para benefício dos abutres que enxameiam e conspurcam a política e a economia deste nosso rincão habitado por dez milhões de seres humanos, homens, mulheres, crianças e velhos que, acredito, na sua imensa maioria não merecem – não podem ser confundidos com essa canalha imunda.

   Face a essa carência elementar, própria de quem pouco sabe da vida, parece ser altura de lhe sugerir a toma de quaisquer medidas adequadas à correcção do lapso. Pode começar, senhor primeiro-ministro por imaginar-se a sobreviver, como um de nós, às dificuldades que tem vindo a implementar, cada vez mais contundentes e tomando por alvo preferencial o sacrificado povo do seu país.

   Não lhe quero mal, senhor, até porque – acredite – sou hoje um dos que se sentem responsáveis pelo lugar que ocupa. Votei em si não por erro de estratégia mas porque, apesar da minha idade avançada, conservo uma incurável tendência para acreditar nas patranhas que me contam.  

   Há pessoas que, pela sua dificuldade em conseguir medir a gravidade das consequências decorrentes dos seus actos, arriscam decisões que a teoria financeira aponta como recomendáveis mas que, na prática, revelam ser atentatórias da boa moral e injustas quando impostas a outros a quem é negado o direito de contrapor. É o que se passa em Portugal neste momento da história. Desta vez o seu intérprete é o senhor.

   Teimo em acreditar que não o faz por maldade, mas antes por carência de discernimento, por falta de experiência de vida.

   O que acabo de lhe dizer é um desabafo, eu sei. Talvez, antes, mais um grito de aflição face ao país sem esperança que estou prestes a deixar aos meus filhos e netos que olham assustados para o horizonte vazio que têm pela frente.

   Senhor primeiro-ministro pare para pensar, por favor. Procure – se ainda for a tempo – rever a incongruência da sua governação. Antes que o seu nome seja gravado na história como o coveiro desta nação milenar, chamada Portugal.

Obrigado. Passe bem…  

15 de julho de 2013

“Quem sabe faz, quem não sabe dá conselhos”

Luís Farinha


   É um ditado antigo que o quotidiano confirma a cada passo: “Quem sabe faz, quem não sabe dá conselhos”. Antigo, mas cada dia mais transparente entre os que criaram e alimentam a convicção de que a sabença se esgota nas suas mentes privilegiadas. Tal fenómeno ocorre, hoje, com inusitada frequência, sendo corriqueira entre os que se comprazem em exibir a erudição em que se têm como excepcionais.

   Os políticos, em particular, são useiros obstinados desta demonstração de superioridade sobre os outros mortais. Tal como os treinadores de bancada, também eles se convencem que as soluções inquestionáveis sobre o que for pulsam, latentes, nos escaninhos das suas mentes superiores. E é assim que, por artes e manhas, acabam por convencer os crédulos que o país só terá futuro com a sua contribuição. Só que, passado algum tempo de exercício no centro do poder, a maioria desses predestinados estatela-se ao comprido, acabando por sair de cena pela esquerda baixa.

   É isso que tem vindo a acontecer depois que os militares nos ofereceram a revolução dos cravos e os políticos garantiram que Portugal ia mudar. Tinham razão, caramba! O país mudou: hoje os ricos cresceram em número e ficam cada vez mais opulentos, enquanto isso a classe média foi já esfrangalhada e os pobres estão finalmente e sem contemplações, a ser promovidos a indigentes.

   Exagero? Olhem que não.

Haja em conta os despedimentos em massa, a miserabilidade crescente do povo, os desempregados sem esperança e, em particular os jovens sem futuro, a quem é negado um plano de vida, o direito a uma existência digna. Vale-lhes a sabedoria inesgotável do centro do poder que os aconselha a irem viver para outro lado, a procurarem além fronteiras o trabalho que aqui não encontram. E, brademos aos céus(!), é precisamente a estes, aos mais pobres, aos mais desprovidos, que os senhores governantes, os ‘cérebros’, apontam as baterias atribuindo-lhes a incumbência de pagar – não se sabe bem como – a famosa ‘austeridade’, designação exaustivamente repetida nos corredores do poder.

   Mas o que é ainda mais inacreditável, são esses – os que se autopromoveram a governantes dos dez milhões de portugueses – que ainda deixam a pairar a falsa ideia de que os culpados da situação paupérrima a que o país chegou são exactamente os pobres, os que têm sido permanentemente quilhados pela distinta galera política, um pecado que os torna, desde logo, merecedores dessa ‘penitência’.

   É o que ressalta da atitude sobranceira, altiva, arrogante, inquisitiva, exibida pelos senhores doutores Passos Coelho e Vitor Gaspar, quando vinham comunicar aos portugueses mais um agravamento ou introdução de uma nova taxa contributiva, um novo imposto ou mais um corte nas já paupérrimas reformas e pensões dos idosos deste desgraçado país.     

   Na verdade, talvez não possamos acusar os governantes, estes e os outros, de não terem mudado Portugal. Mudaram sim, senhores: transformaram-no num atoleiro, lotado de despojados.           
-
   Aconteceu recentemente com o senhor doutor Gaspar quando, na sua missiva de adeus, teve a franqueza de – embora tarde de mais – reconhecer os becos sem saída em que se meteu, confundindo a árvore com a floresta. Afinal as teorias que tinha como infalíveis serviram apenas para precipitar no abismo o povo desta nação dando cabo da vida de milhões de portugueses que ficaram na miséria e de milhares de jovens a quem roubou o futuro que mereciam e a que tinham direito. Uma semana depois, sorridente, regressou à actividade que antes desempenhava: consultor do conselho de administração do Banco de Portugal. No seu gabinete confortável vai continuar a dar conselhos, acção em que é especialista, usufruindo da boa e rendosa vida que tinha antes da sua desgraçada aventura política. Com esta aprendeu, pelo menos, que para governar um país não basta manipular com mestria uma simples calculadora. Segundo ele próprio escreveu na sua carta de adeus, acabou por reconhecer que não fora talhado para a prática governamental. Algo que todos percebemos desde o princípio do seu desempenho, sem precisar de desenhos. Dar conselhos é, sem sombra de dúvida, o ofício que lhe cabe como uma luva.  



6 de julho de 2013

KARMA, o mentalista

Luís Farinha


O espectáculo teve lugar no antigo e já extinto Teatro Monumental, no Saldanha, em Lisboa. Um evento que – se a memória não me atraiçoa – foi organizado pelo pessoal da TAP. Vão quase 50 anos. Entre os vários artistas convidados lembro-me da Maria Armanda, ainda na fase pré-fadista e do Palhaço Raulito. Fui contratado para a apresentação.

Ocorreu-me essa lembrança quando li há pouco, no livro Lisboa, anos 60, de Joana Stichini Vilela e Nick Mirozowki, uma referência a um feito levado a cabo pelo mentalista Raul Karma, no ano distante de 1964. Num fim de tarde, em Setembro, perante a incredulidade de ‘meia Lisboa’ Karma conduziu um automóvel – de olhos vendados e com um saco de pano espesso enfiado na cabeça, desde a Praça Duque de Saldanha à Praça do Areeiro, ‘num total de 2.250 metros’.

Eu assisti. Embora afastado, acompanhei parte do percurso e posso assegurar que o êxito não podia ter sido maior!

Passado tanto tempo, a leitura desta ousada demonstração trouxe-me de volta o tal espectáculo do Monumental igualmente ocorrido na década de 60 do século passado. Lembrei-me do Palhaço Raulito, da rábula do pato que ele trazia sobraçado e que era capaz de somar como qualquer bom aluno desse tempo, perito na tabuada. O tempo não perdoa e já não tenho presente o nome que ele dava ao pato quando lhe perguntava: “Toma atenção: quanto soma dois mais dois?”, e o pato grasnava: “Quá, quá, quá, quá”! Essa ou outra adição ou subtracção que o artista lhe propunha. Finalizada a cena do pato, o palhaço foi buscar um longo serrote de cortar madeira, um arco de violino e, manipulando-os com mestria, encheu o salão de música celestial. 
Já no fim da sua actuação, quando nos bastidores lhe perguntei como é que ele conseguira aquele prodígio do pato, respondeu-me: “Olha lá, se te apertassem os tomates tu ficavas calado?”

Pois é… como já perceberam, o Palhaço Raulito, vestido e pintado a preceito e o Professor Karma, era uma e a mesma pessoa. Só que o Karma começou a ser conhecido algum tempo depois de o palhaço ter terminado a sua carreira.

Conhecemo-nos na adolescência, tinha eu 15 anitos e ele 17. Tornámo-nos amigos e colegas de trabalho nos CTT, corria o ano de 1944. Era uma amizade estreita, nunca posta em causa e assim continuámos pelos anos adiante. Sem cerimónia entrava na sua casa, na Travessa das Mónicas, na Graça, o bairro lisboeta onde ambos vivíamos, sendo sempre recebido com afecto pelos seus pais: a D. Maria do Carmo e o senhor Raul Januário, guarda-fiscal, homem de respeito. Vindos da Nazaré, de onde o Raul Júnior era natural, fixaram-se no velho bairro.

Contrariados mas complacentes, os seus progenitores não viam com simpatia mas aceitavam o que, de resto, era inevitável: a recusa do filho para seguir uma carreira profissional dita normal. A sua vocação apontava decididamente para o mundo do espectáculo e, particularmente, para a arte circense. Seria, de resto, essa opção irremediável que acabaria por nos afastar. Lembro-me de, numa última tentativa para o persuadir a retroceder na decisão tomada, o ir visitar a um circo montado num terreno devoluto, à Rua Damasceno Monteiro, mas a sua decisão estava tomada e era irredutível: o circo era a sua vida, garantiu-me. Foi depois disso que o afastamento mútuo se foi ampliando, não por decisão tomada por quaisquer das partes mas devido à itinerância da sua actividade. Para trás deixou ainda uma outra vocação que só os mais próximos, como eu, tiveram oportunidade de lhe reconhecer: a música. O Raul era um músico excelente.

Reencontrei-o, muito anos depois, no restaurante Chicote, no Areeiro, onde actuava, já na pele do Professor Karma. Amigos como sempre, constatei, mas afastados pelas circunstâncias que acompanham o processo de crescimento da gente nova, independente. Infelizmente, Raul Januário Júnior, o Palhaço Raulito ou, se preferirem, Raul Karma – o mentalista, deixou este mundo em 2001. Contava 74 anos, deixando viúva a sua companheira de sempre, Cidália Moreira, a fadista cigana, restando-me a lembrança de tempos que de vez em quando ainda me trazem de volta alguns episódios inapagáveis. Como o que hoje vos trouxe e aqui deixo, num singelo acto de partilha.            

1 de julho de 2013

Outra vida… outros tempos!

Luís Farinha

   Ainda acontece nas minhas deambulações por esta Lisboa onde nasci e vivi a maior parte da aventura fascinante do dia-a-dia. Depois de tantos anos, Lisboa tornou-se um vício de que me sinto dependente… incuravelmente dependente.

   Mas ia eu a dizer que ainda me acontece, quando ando por Lisboa, ser visitado por memórias que irrompem do fundo dos tempos, e que me fazem recordar rostos, corpos, histórias, cenas e situações. Umas que se mantêm bem vivas, como se o passado se limitasse ao dia de ontem, outras que se foram esbatendo ao correr incessante duma vida muito vivida, restando delas, apenas, vagas lembranças que não resistiram ao rodar imparável do tempo.

   Ainda há dias, por exemplo, passei à porta do edifício onde comecei as andanças da rádio, corria o ano de 1961. Lá, no bairro onde nasci, na Graça, curiosamente na mesma rua onde frequentei a Instrução Primária, na velhíssima Voz do Operário.

   Tantos anos que passaram…

   Entre outras coisas, as lembranças trouxeram-me de volta a Alda Maria, minha colega na Rádio Voz de Lisboa e esposa do director da emissora; e com ela, o programa “Um Cantinho e Você”, com os pedidos dos ouvintes e o “Programa dos Doentes”, uma rubrica que procurava amenizar os que jaziam nos leitos dos “estabelecimentos hospitalares” ou “nas suas residências”, como ela dizia.

   Que longe vão esses tempos…

   Dos colegas de então, já poucos restam agora. A Alda Maria, uma bonita mulher, suicidou-se, atirando-se do alto do 3.º andar onde morava, na Av. Infante Santo, em Lisboa. O António Silva, operador de som e sonoplasta de grande talento, encontrei-o há uns anos, num fim de tarde chuvoso, a vender lotaria junto ao Marquês de Pombal. Ao Armando Baetas, locutor, perdi-lhe o rasto desde que se afastou da rádio. O Fernando Pires, outro operador de som, também já não pertence ao mundo dos vivos. Paulo de Medeiros, idem. O meu compadre José Manuel Bento, locutor, também já se foi, há largos anos, para o outro lado da vida. A sua mulher, Maria Elvira Bento, é hoje uma jornalista de que pouco ouço falar. O Artur Pereira, locutor, não sei o que foi feito dele. Lembro-me ainda das graçolas que fazia-mos com a sua arraigada claustrofobia e, em particular, de uma viagem que fizemos ao Porto, em trabalho: foi num mês de Dezembro – chuvoso p´ra caramba – e fomos e viemos com as janelas do carro escancaradas. Quando, quase gelado, eu as tentava fechar, logo o Artur entrava em pânico. Ainda sobre o seu horror aos espaços fechados, as piadas passaram a ser mais que muitas quando nos contou que as suas noites, na cama, eram alucinantes: tudo porque ele só conseguia adormecer com os pés de fora o que resultava nas lutas titânicas que mantinha com a esposa que, principalmente no Inverno, só dormia com os pés tapados. Resultado: enquanto ele puxava os lençóis para cima, ela puxava-os para baixo. Recordei ainda o L.F.A. que, como vim a descobrir casualmente, acumulava então a profissão de locutor com a de chefe de brigada da PIDE, a mal afamada instituição policial do antigo regime. Talvez porque se sentiu descoberto, afastou-se, nunca mais o vi. Outros, um pouco mais novos e que apareceram mais tarde, dando boa conta de si: o António Sala, vindo da Rádio Ribatejo; o Júlio César, que antes fazia imitações em espectáculos, aqui e ali; o João Paulo Diniz; o António Crespo – um puto que desempenhava as funções de estafeta e outros de que já não recordo os nomes.

   Lembrei-me desses e de muitos outros, quando – numa recente visita ao meu velho bairro – passei pelo edifício da RVL, na Rua da Voz de Operário, onde tudo começou…

   Vão mais de 50 anos… mas parece que foi há um ou dois meses!

   Como o tempo passa depressa; e como nos agarramos às lembranças que fizeram de nós as pessoas que hoje somos…

27 de junho de 2013

O protagonismo

Luís Farinha


O protagonismo está na moda.
  
Ser importante aos olhos dos outros é hoje a preocupação maior de qualquer indivíduo, independentemente da sua real valia ou do lugar que ocupa na esfera em que se move. Mostrar influência satisfaz mais do que sentir-se amado.
  
Este é o homem (e a mulher) actual: pimpão, intolerante, superior. É o novo homem que a sociedade inventou, os valores que hoje se consagram são a vacuidade, a presunção, o faz-de-conta. Um homem altaneiro na aparência, mas por dentro árido e seco como uma seara em Agosto.
  
A sua fome de importância chega a ser demencial. Para a satisfazer, renuncia a tudo o que até há pouco era fundamental para a afirmação fosse de quem fosse. Era assim quando a estatura do homem se avaliava pela sua verticalidade. Ser recto no julgamento, confiável no carácter e honesto em todas as situações era, noutros tempos, os atributos maiores que distinguiam os seres verdadeiramente superiores. Ter a honra de ser honrado e cultivar a dignidade em todas as circunstâncias, constituía o património maior que um homem podia legar aos seus descendentes.

Porém, essa concepção tem vindo a desvanecer-se ao correr dos tempos. Já não é um princípio assente, uma condição primordial, passou de moda…
  
Hoje avalia-se o homem (e a mulher) por aquilo que parece e não pelo que realmente é, pelo que vale. A imagem de marca é um culto que passou a fazer parte da cosmética social. Invertidos os valores em que antes a sociedade se escorava, assiste-se actualmente à promoção da aparência, à exaltação do faz-de-conta.
  
Para serem aceites pela opinião pública as figuras e os figurões contratam quem lhes cuide da aparência exterior, mesmo que depois, no dia-a-dia, as suas acções desmintam a imagem que procuram fazer passar. O estilo trauliteiro substitui a seriedade, mais difícil de sustentar (o teatro político é disso palco privilegiado). A falta de inteligência é mascarada com uma postura arrogante, mais fácil de exibir. A fidelidade à palavra dada vai deixando de ter sentido. Recordo ainda quando para honrar um compromisso bastava um aperto de mão. Hoje, nem mil assinaturas reconhecidas pelo tabelião garantem seja o que for. Aliás, é inegável que, forma geral, se vai impondo e aceitando o conceito de que tudo tem um preço, até o respeito próprio. A justiça passou a ser apenas uma força de expressão vazia de sentido. A palavra, com o uso imponderado, acabou por transformar-se numa pedra de arremesso.
  
Enfim, paulatina mas seguramente, a sociedade tal como a conheci vem caindo em desuso.
  
São os efeitos da modernidade, hoje tão glorificada, dizem. Não concordo, de todo: são, antes, sinais premonitórios de um mundo em processo de mudança. Um mundo que não será mais o que conhecemos até aos finais do século XX. Os primeiros sinais já não deixam margem para dúvidas: o mundo actual aponta, inequivocamente, para uma sociedade composta de duas classes, os que têm tudo e os que nada têm, agora e nos tempos que estão para vir. Em essência, baseia-se no princípio de que para que os primeiros vivam na abundância insaciável, têm os outros que sobreviver num estado de penúria cada vez mais profunda, mais acentuada e falha de tudo, até do essencial. Só assim – e os exemplos já são bem visíveis – o poder financeiro pode crescer sem parança. Olhando as estruturas que sustentam a sociedade actual, fácil é concluir que, forma geral, todas elas estão a ser reformadas (e já vão funcionando) ao jeito de um mundo pensado para dois grandes grupos: o que trabalha no duro, sem regras e sem proveitos, enquanto o outro, sentado, vai contando sofregamente os milhões provenientes do esforço dos que produzem em troco de quase nada.

O protagonismo está na moda. A prova de que assim é decorre do facto, hoje tornado comum, de que ser ex-ministro (ou ex-membro dum governo) é que está a dar. Os exemplos são mais que muitos e estão à vista de todos, aqui, neste nosso Portugal pequenino.

18 de junho de 2013

Caridade versus solidariedade

Luís Farinha


Todos os dias colhemos exemplos de que entre caridade e solidariedade há uma enorme diferença. Pena é que a maioria de nós não se aperceba das diferenças que distinguem uma da outra.

A caridade serve, sobretudo, para calar a consciência de quem dá, mas avilta quem a recebe. Pelo contrário, ser solidário é viver de braços abertos para receber os aflitos. É como estender a mão a quem dela precisa na hora da desgraça. É sofrer com a dor dos seus irmãos e alegrar-se com a sua felicidade. Solidariedade é, para quem a oferece, um sentimento que enobrece e um bálsamo, para quem a recebe.

Por isso eu digo que, parecendo uma sinonímia, há uma diferença abismal que impõe reflexão.

No decorrer da minha já longa vida, senti algumas vezes a indiferença de alguns amigos e conhecidos em certos momentos menos bons que experimentei. Porém, não esquecerei jamais os que me aquietaram nos momentos de ansiedade e rejubilaram mais adiante com a minha felicidade.

Neste nosso Portugal que se afunda no abismo da desesperança, muitos há que atingiram já o patamar mais raso. Famílias inteiras sofrem hoje na carne os efeitos da desordem que lhes caiu no colo. O desânimo está instalado e, de acordo com os especialistas, não há grandes hipóteses de os portugueses da vulgarmente designada classe média voltarem a gozar a euforia económica que marcou o quotidiano das últimas duas décadas. Foi um período nascido de uma sucessão de erros cometidos ao longo de anos por governantes mal amanhados que confundiram a árvore com a floresta. Que se deixaram turvar com as patacas aparentemente inesgotáveis vindas da Europa, levando a que, por arrasto, os cidadãos acabassem por medir o seu dia-a-dia pelo mesmo diapasão.

O país está em frangalhos graças às acções destemperadas de um grupo de novos arquitectos políticos cujas teorias económicas não ponho em causa, embora reconheça que padecem duma enfermidade grave: são falhos de dimensão humana que lhes facilite a aplicação prática da sabedoria adquirida nos compêndios universitários. Resulta daí que a notória falta de experiência profissional (que as suas falhas denunciam) somente seja ultrapassada pela arrogância do poder discricionário que ostentam com ufania.

Voltemos porém ao parágrafo inicial…

Face à derrocada estrondosa da economia em Portugal e à incapacidade demonstrada pelos actuais governantes no sentido de encontrarem formas menos contundentes de a enfrentar, eis que – para surpresa dos mais cépticos – têm-se multiplicado os actos e acções de solidariedade em benefício dos que vêm sendo mais atingidos pelo desabamento. Homens e mulheres, jovens e idosos cônscios do seu lugar no mundo têm surpreendido tudo e todos com a sua abnegação. Acorrem com a sua ajuda – agrupados ou individualmente – minimizando com o seu humanismo os efeitos da sangria obstinada levada a cabo sobre os que menos têm.

Nestas horas de profunda adversidade tem havido inúmeros gestos de solidariedade, sendo inumeráveis os que têm sentido o apelo voluntário de dividir o pouco de que dispõem com aqueles que já nada possuem. São actos abnegados de amplo significado, credores por isso do mais profundo respeito. Marca indelével da chama que habita o coração dos portugueses não será vã esta demonstração de filantropia, estou certo. Em meio à tragédia que nos assola, tenho visto exemplos sem conta de caridade e de solidariedade. Sendo que a primeira provém normalmente de instituições que encaram o auxílio dispensado como o exercício espectável da sua natureza, a segunda destaca-se porque emana de pessoas singulares ou agrupadas para o efeito, gente que nada ou pouco tendo de seu não nega mesmo assim a sua solidariedade aos que têm ainda menos e que sofrem muito mais.

É uma lição com que a vida, por desgraça nossa, nos tem vindo a confrontar ultimamente.    

15 de junho de 2013

A selva à minha porta…

Luís Farinha

Os últimos tempos têm vindo a ser marcados por uma sucessão de acontecimentos, quaisquer deles capaz de adulterar a tranquilidade e a paz de espírito que o cidadão comum precisa para ir empurrando a vida para a frente.

Aliás, chega a ser difícil perceber onde vamos nós buscar reservas de energia depois de diariamente sermos submetidos à avalanche de notícias trazidas pela comunicação social. Notícias a que, obviamente, ainda temos de ir acrescentando os altos e baixos da nossa própria vida pessoal.

A verdade é que nós, os humanos, temos muito mais resistência anímica do que é suposto, à primeira vista. Queixamo-nos, lamentamo-nos, mas (sabe Deus como...) lá vamos andando em frente, através do mar revolto da vida. À espera não sei do quê.

É certo que, às vezes, alguns de nós, lá nos deixamos envolver mais do que a conta nos problemas que nos rodeiam e então perdemos de todo o controlo de nós mesmos. Mas, forma geral, passada a onda alterosa que nos submergiu durante algum tempo, aí estamos de novo, prontos a enfrentar os problemas que, afinal, já fazem parte deste mundo louco em que nos foi dado viver. Que mais nos resta, afinal?

Misturados com os próprios problemas pessoais, os últimos tempos têm-nos trazido, por acréscimo, uma série de conceitos que chegam e sobram para ensombrar os amanhãs que estão para vir. Um grupo de políticos de recente geração, impantes de soberana sabença, tem-nos vindo a impor um estilo de vida baseado na teoria de que os pobres têm de ficar cada vez mais pobres para que os ricos sejam cada vez mais ricos. A urgência da implantação de tal filosofia tem marcado o quotidiano dos portugueses a um ponto que toca já a raia da loucura. Sinal insofismável desse tresvario é a sucessão de notícias que diariamente dão conta da imparável precipitação de ocorrências alucinadas que vão por aí. Suicídios, homicídios aloucados, assaltos violentos visando os mais idosos, conflitos de vária ordem, crianças maltratadas, vulgarização dos crimes de colarinho branco e outras, muitas outras ocorrências inexplicáveis que apontam o dedo acusador à transformação brutal que vai sendo imposta aos cidadãos.       

O desemprego imparável, as promessas de tempos piores que estão para vir, a arrogância dos poderosos, a ausência de perspectivas, a fome, o caminho para o vazio, o desaparecimento das pequenas coisas que permitem cumprir o sonho. Sim, o sonho, porque sonhar é o que resta aos que pouco mais têm.   

Por falar em sonhos, fosse lá pelo que fosse, talvez porque a vida real se me vá tornando um fardo difícil de levar, a noite passada tive um sonho bonito que, durante o tempo que durou, me restituiu a paz de espírito. Foi um sonho tão bonito que, quando despertei, grande foi a minha frustração ao verificar que tudo não passara afinal da utopia trazida pelos anseios que se agitam nos recônditos do meu subconsciente.

Sonhei que vivia num mundo onde não havia guerras. Num mundo em que não existiam crianças com fome e crescidas no medo, submetidas à bestialidade. Sonhei que todos os homens eram iguais e que deixara de haver a impudicícia a separá-los. Sonhei, imaginem, que a palavra ‘poder’ fora erradicada e que, em seu lugar, os governos eram agora constituídos por homens sábios, de boa fé, de carácter.      

Acordei a sorrir, transbordante de felicidade!

Aos poucos, porém, enquanto ia tomando consciência de que tudo fora um sonho e de que o mundo real continuava a ser aquele em que eu sempre vivera, senti a decepção submergir-me, senti a raiva crescer e a náusea a aumentar.

Quis correr de volta ao meu sonho bonito, mas não encontrei o caminho para lá chegar.

Então, relutante, levantei-me, vesti-me e regressei à selva que me esperava lá fora.

14 de junho de 2013

Um caso do acaso…

Luís Farinha


   Vão 35... 40 anos?
   Por aí...
   Dessa época recordo o período confuso do 25 de Abril, que aconteceu um par de anos depois de a ter conhecido...
   Como e em que circunstâncias a vi pela primeira vez?
   Bom... um amigo perguntou-me se eu seria capaz de arranjar emprego – ‘um emprego mesmo modesto’ - para uma jovem amiga sua.
   Quis o acaso (o acaso tem destas coisas...) que a oportunidade surgisse três ou quatro dias depois. Um emprego numa sapataria, no Chiado, em Lisboa.
   Por indicação minha a jovem foi lá... e conseguiu o lugar.
   "Uma boa empregada!" -  dizia meses depois o meu amigo Felício, o seu novo patrão.
    Curiosamente, perdi-a de vista depois desse episódio fugaz... Pelo menos estive sem a ver durante mais de um ano.
  
   Um dia, tomava eu café, com um colega, no Foia, no Campo de Santana, em Lisboa, quando a jovem da mesa ao lado me cumprimentou com um aceno da cabeça...
   Correspondi, sem a reconhecer.
   Vendo a minha hesitação, lembrou-me então quem era: “eu sou…”
   E fez-se luz!
   Só que não percebi como é que uma empregada de balcão, estava alí, às quatro da tarde, sentada, calmamente, a tomar café! E foi essa a questão que lhe pus, prevendo já ouvir o relato dum eventual desentendimento laboral.
   Tinha deixado o emprego que eu lhe conseguira, explicou-me, para se dedicar a tempo inteiro à realização dum sonho: tirar o curso de enfermeira. A escola funcionava a dois passos, na Artur Ravara, localizada no Hospital dos Capuchos. Aproveitara um intervalo para vir ali tomar café…
   Em tom casual contou-me que vivia um período algo difícil. Tinha esgotado as reservas amealhadas que lhe permitiam manter-se a estudar, sem trabalhar. Segundo confessou, todo o dinheiro que havia conseguido guardar tinha chegado ao fim. Por isso, adiantou com evidente desgosto, tinha de pôr de lado o velho sonho e voltar a empregar-se.

   Por natureza impulsivo, só voltei a mim depois de me ter oferecido para a ajudar. Porém, ciente das armadilhas que a bondade esconde, desde logo achei por bem não deixar pairar a dúvida. E fi-lo – reconheci depois – de forma um tanto brusca: “Mas faço questão de frisar que não pretendo nada em troca”, adverti-a. “Você é uma jovem simpática mas confesso-lhe que, além do mais, não faz o meu género. É em nome da amizade que tenho ao Henrique (o nosso amigo comum) que a vou ajudar mais esta vez”. E rematei: “Faça de conta que encontrou uma velha tia que se dispôs a valer-lhe”.

   ... e ajudei-a até ao final do curso, três ou quatro meses depois. Tarefa que aliás terminou da melhor maneira com o desejado diploma de enfermeira.
  
   E foi assim que a história começou. Tantos anos passados posso garantir, hoje, que aquele meu gesto espontâneo não servira para acobertar outra intenção que não aquela que referi: quis ajudar alguém em manifesta dificuldade, a amiga dum amigo que eu estimava e de quem já não sei há largos anos. Mais do que as palavras que dela ouvia foi o seu olhar contristado que fez disparar o pouco que de bom terei dentro de mim. Como noutros momentos do meu percurso de vida, só depois me deu para reflectir acerca do episódio que acabara de viver. Só então me dei conta de que por mais que eu insistisse ou jurasse ninguém iria acreditar, daí em diante, na lisura da minha oferta àquela rapariga. Quem me conheça de longa data sabe bem que, em questões de sexo, com ou sem paixão, nunca recorri à compra de amor. Excepção óbvia no breve período da adolescência quando a natureza me começou a impor a satisfação das sensações que o corpo me exigia. Era um tempo em que os namoros se ficavam por um beijo furtivo ou uma carícia fugaz. Sem espaço, na maioria das vezes, para ir mais além.

   A sua primeira colocação, na nova profissão, ocorreu logo depois de terminar o curso. E a amizade entretanto estabelecida foi-se reduzindo a um ou outro breve encontro para – segundo dizia – dar-me notícia da sua evolução na carreira que eu a ajudara a construir. Entretanto, um acaso fortuito fez o que eu jamais previra. A amizade redundou em algo mais, numa situação que eu estava bem longe de prever e sobretudo de querer. Durou enquanto durou até que um dia cada um de nós partiu ao encontro de outros destinos, seguindo rumos diferentes.

   Foi um dos casos do acaso que a vida reserva a cada um de nós…

   Alguns anos depois, vi-a na televisão, num programa de que não recordo o nome. A minha protegida dera uma nova volta à sua vida, pondo de lado a profissão de enfermeira – a velha aspiração que eu ajudei a concretizar. Transformara-se numa empresária ligada à moda.
  
   E o seu nome continua a brilhar no néon duma conhecida boutique da cidade de Lisboa.

   Casou, venceu... criando renome nessa actividade.

   Nunca mais a vi…

4 de junho de 2013

Feia, suja e má

Luís Farinha


Para quê vir aqui armar ao pingarelho, fingindo o que não sou, tentando passar a ideia de que, sem a minha intervenção, o mundo acabará por soçobrar? De que me serviria dar-me ares de que, comigo, outros aprenderiam a conhecer aquilo que só eu fui (ou sou) capaz de decifrar? Que faço parte dos que ficarão na história por terem trazido ao mundo pilhas de sabedoria? Que interesse poderia ter o meu percurso de vida, para vir aqui brandir com petulância as experiências que acumulei, como se fossem singulares os amores que vivi, as pessoas que conheci, as proezas que realizei? A verdade é que nos meus muitos anos de vida nunca fui herói em actos relevantes, nunca encontrei motivos para me enfatuar. Limitei-me a ser um sujeito naturalmente pertinaz nos anseios e realizações que levei a cabo, sendo certo, no entanto, que feito o balanço, à distância de tantos anos decorridos só encontro agora mais motivos de contrição do que de ufania.

Pela ordem natural estarei na recta final duma vida que vai longa. Restam-me as lembranças guardadas nos recônditos da memória e uma constante reflexão sobre as pessoas e coisas que hoje fazem parte da minha história deixada para trás. Revivo muitos episódios que me foram gratos e outros que de bom grado melhor seria não terem acontecido. Revejo locais, rostos e figuras que pontuaram momentos imorredoiros do meu percurso de vida. E alguns, outros, que olhados à distância do tempo melhor seria não ter conhecido. Ouço ainda o eco de muitas palavras ditas e outras que me arrependo de ter calado. Vivi paixões correspondidas, mas tenho pena, hoje, de não poder recuar no tempo para pedir perdão de, em algumas delas, ter deixado crescer expectativas que não fui capaz de levar a bom termo. 

A vida ensinou-me muitas coisas importantes. Dela, estou certo, aprendi lições que contribuíram para a formação do ser humano que hoje sou. Só lamento, porém, que na recta final que agora vivo para nada sirva tanta experiência acumulada. Na corrida a caminho de um futuro que idealizei promitente esqueci-me de cultivar influências que aplanassem a longa estrada que tinha pela frente. Tarde, só agora me apercebo que devia ter parado para pensar, mas andava demasiado ocupado a trabalhar no duro, sem tempo para chamar a mim algumas das coisas boas que a sociedade mantinha em recato, guardadas para uns quantos escolhidos. Hoje, olho em redor quedando-me pasmado com as enormidades a que me é dado assistir, não reconhecendo o mundo em que me foi dado viver, o país de que sempre me orgulhei, a cidade onde nasci e vivi todas as fases desta minha vida cansada e as pessoas com quem me cruzava nos tempos em que ainda acreditava que a pulhice não passava de uma alusão retórica. Para meu desespero só tardiamente me apercebi de que por esta sociedade de faz de conta em que vivemos se pavoneia uma infinidade de celerados perversos disfarçados de “gente boa”. Eles andam por aí, dissimulados, espreitando oportunidades para lançar as unhas aduncas sobre os indefesos cidadãos. Nos negócios, nos corredores da política, no Estado e fora dele, nas ruas e às portas das nossas casas. É um mundo novo criado por legiões de homens sem honra, sem brio, vazios de dignidade. E é esse mundo que eu – com imensa pena – vou legar ao meu filho. Que ele um dia me consiga perdoar a leviandade de o ter chamado a esta vida que não pediu, feia, suja e má.

5 de maio de 2013

Portugal sem futuro

Luís Farinha


Mil novecentos e vinte e nove foi marcado por dois acontecimentos dignos de nota: foi o ano em que lancei ao mundo o meu primeiro vagido e também aquele em que se registou uma recessão económica que, pelas piores razões, ficou inscrita na história de forma inapagável. Se o primeiro evento passou despercebido às gentes mais distraídas, o segundo ainda hoje é apontado como exemplo daquilo que mais assusta os cidadãos do mundo: a duvidosa capacidade dos que chamam a si a tarefa de amanhar a vida dos outros.

Foi nesse ano longínquo do século XX que o mundo foi abalado por uma profunda crise cujas consequências, de tão graves, causaram o descalabro económico do mundo. Estranhamente, porém, 84 anos depois, quando até os mais propensos ao cepticismo começavam a acreditar que a história não se repetiria, eis que o voltamos a experimentar novo solavanco, este bem mais terrível do que o que ocorreu no ano em que eu fui chamado a fazer parte desta vida em permanente desvario. Pior do que isso, desta vez Portugal parece estar no centro do sismo, integrado num pequeno grupo de nações europeias que estão a ser conduzidas à mais profunda miséria económica e social. Contudo, olhando com atenção fácil é concluir que o que está acontecendo nada tem a ver com mais uma crise circunstancial que, corrigida, logo nos reconduziria à vidinha relativamente aceitável a que nos habituámos nos últimos anos. Se a derrocada económica de 1929 conseguiu ser debelada nos finais da 2ª Grande Guerra Mundial, década e meia depois de ter irrompido, hoje assiste-se ao desmoronamento do estilo de vida que veio depois e que parecia ter sido ganho para sempre. Afinal, é bem claro agora, os homens sábios, os crânios políticos que tantas loas cantam acabaram por nos mostrar que não passam de meros vendedores de promessas, de ilusionistas hábeis na arte da dissimulação, gente para quem, no fim das contas, a única coisa a preservar é a sua própria vidinha, o seu bem-estar económico nunca suficientemente satisfeito ao mesmo tempo que dão lustro à sua imagem de importância. Só que ainda não repararam que estão a deixar bem à mostra a sua falta de vergonha.

Para cúmulo, estes homens empoleirados no privilégio do mando sobre os seus semelhantes não foram capazes – ou não conseguiram – reter as advertências sérias que o mundo lhes tem vindo a propiciar. São cábulas e irresponsáveis. Vaidosos do seu estatuto social e míopes a todo o resto. Sem rebuço, permitem-se até o desplante de ostentar sobranceira indiferença pelos danos que, por insuficiente capacidade, por ineficácia da sua acção ou por outros interesses inconfessáveis, causam aos que neles confiaram as suas vidas, o seu futuro.

É este o Portugal de hoje, numa Europa toda ela ameaçando soçobrar ao peso da ignomínia dos novos ‘donos do mundo’ obstinadamente empenhados na construção de uma sociedade alicerçada na supremacia do poder financeiro absoluto, sem espaço para a prática de uma democracia plural onde todos poderiam usar o direito de viver com dignidade, independentemente do seu estrato social.

A verdade é que Portugal, a Europa e o Mundo estão em processo de transformação social, levada a cabo pela implantação duma plutocracia desenfreada. O projecto para implementar a servidão dos mais fracos nunca foi tão notório. Está bem à vista de quem olhar para o caso português. Haja em conta o plano posto em prática pelo executivo governativo de última geração para proceder aos cortes continuados de apoios sociais ao cidadão comum. Ao cerceamento dos já parcos salários dos trabalhadores. À implantação de novas tributações ou ao agravamento das já existentes – manobras fiscais de lógica diabólica de que o famigerado TSU se tornou exemplo espantoso. E como se não bastasse o exorbitante desaforo dessas medidas – por si só claramente alucinadas – atente-se com atenção na forma desumanamente arrogante como as mesmas vão anunciadas ao povo da nação quando os principais figurões da governança – anafados da importância e da impunidade plena que julgam ser-lhes devida – usam palavras e ares a deixarem entender que os culpados da miséria que assola o país são os portugueses que se debatem na penúria, sendo o continuado agravamento das medidas aplicadas o merecido castigo. Chega a ser obscena a severidade que esses senhores exibem quando, depois de anunciadas as últimas ‘punições’ prometem para breve outras ainda mais severas.

Notória é a cega determinação dos homens no exercício do poder em Portugal quando decidem implantar uma nova tributação aos já exauridos pagadores dos milhões abusivamente desviados para obras não prioritárias ou de todo descabidas, ou para um maior conforto dos bolsos insaciáveis dos já habituais beneficiários da riqueza nacional. Não se poupam a esforços para fazer crer que só com austeridade será possível ultrapassar os problemas que, segundo eles, os portugueses causaram. Notável é também o esforço de tais tribunos no sentido de que a essa austeridade deve ser poupada a classe dos endinheirados, gente que não andou a acumular riqueza para a mesma ser depois utilizada em benefício da súcia de pobretanas que não têm direito a nada. Só assim pode ser entendida, de resto, a violência dessas medidas e a severidade com que são anunciadas. Na verdade, sendo a riqueza da Nação produzida e pertença de todos os portugueses, torna-se evidente que para alguns poderem ficar cada vez mais ricos, muitos outros têm de ficar cada vez mais pobres. Chama-se a isto a negação da equidade – um termo inadequadamente usado e abusado pelos cérebros tortuosos dos novos donos do poder. Vem a propósito lembrar o caso daquele senhor a quem foi atribuída a reforma de 170 mil euros mensais (fora ao resto) sem esquecer que se trata de um português que exerceu a sua actividade num estabelecimento bancário, em Portugal, em concorrência com outros do mesmo ramo. Por mais que se tente tornear a evidência com argumentos que a justiça sanciona, na sua essência trata-se de um caso claro de fuga à lógica e à razão mais lineares.   

Agora, novas medidas de austeridade foram decididas pela dupla Coelho/Gaspar. Como sempre, os alvos são os trabalhadores (da Função Pública) e os pensionistas e reformados. Daí, concluir-se que temos mais do mesmo. O projecto social está, irrevogavelmente, apostado no aniquilamento da classe média (que de média já nada tem), na lógica dum Portugal sem futuro.          

13 de março de 2013

A “crise” que mete medo!

Luís Farinha


Se a crise for entendida como uma situação de penúria transitória, ocorrida num dado período devido a circunstâncias anómalas, teremos de reconhecer que Portugal é, efectivamente, um país eternamente adiado. Por cá a crise não é coisa circunstancial, é um problema crónico, já vem de longe; de tão longe que um cidadão que hoje conte 80 anos, pertencente à classe média baixa, o chamado filho do povo, jamais deixou de viver encalacrado. No antigo regime essas dificuldades eram-lhe impostas pelo sistema político instituído por Salazar, ele próprio o arquétipo do português não apegado aos bens terrenos, preferindo aferrolhar o ouro a bom recato. Depois, quase quarenta anos após o 25 de Abril, a grande maioria dos portugueses continuam a viver à rasca, não só devido à manifesta incompetência dos governantes que desde então têm vindo a ocupar as cadeiras do Poder como pela protecção por eles dispensada às artimanhas económicas e financeiras dos atafulhadores da riqueza que é de todos. A expressão “apertar o cinto” foi institucionalizada sendo agora a marca que distingue o cidadão luso dos seus “primos” europeus.

O cenário em que o País vive na actualidade é realmente assustador. A tal ponto que até os próprios governantes já se não atrevem a prometer melhores condições de vida nos anos que aí vêm. Daí a opinião de que a situação presente não deve ser olhada como se de mais uma crise se trate porque, como parece evidente, estamos a assistir à plena transformação da sociedade que nos foi mostrada durante breves décadas e da qual – por confusão – todos usufruímos na medida em que governantes mal preparados não tiveram a argúcia de controlar atempadamente um terreno em desvario onde a acção nefasta das feras sequiosas instalaram o desnorteio.

Em resultado dessa imprevidência desenha-se agora no horizonte o regresso aos tempos dos sonhos que não passam disso mesmo. Dos anseios não satisfeitos. Da esperança oca, nunca saciada. É já por demais evidente o regresso à penúria, ao desespero da espessa maioria dos portugueses enquanto uma pequena minoria se lambuza despudoradamente com a riqueza por todos produzida.  

É talvez a oportunidade para os portugueses se convencerem de que não podem tentar imitar os cidadãos dos chamados países ricos da Europa querendo, como eles, viver com alguma largueza. Prova disso é a situação de endividamento familiar, verdadeiramente catastrófico, provocado pelo excessivo optimismo manifestado pelo poder político nos seus discursos de faz-de-conta ao longo das últimas décadas, enquanto Portugal soçobrava a olhos vistos. Face ao clima delirante assim introduzido, o portuga imprudente não foi capaz de resistir ao cerrado assalto das instituições financeiras que, com o beneplácito das entidades governamentais, trouxeram o canto da sereia, o compre-agora-e-pague-depois, despertando nas gentes o natural desejo de possuir, impulso geralmente embrionário em todas as camadas sociais. Os avisos de contenção lançados pelos que conseguiam não perder o sentido da realidade sendo, por isso, capazes de discernir as consequências do abismo que se estava a cavar, não surtiram qualquer efeito. Adquirir passou a ser o passatempo preferido dos portugueses que, com o cartãozinho de plástico substituindo o dinheiro vivo, se esqueceram de fazer contas. O resultado desse destempero está á vista e, como noutros casos, provavelmente a culpa vai morrer solteira. 

4 de março de 2013

Nem mais tempo…

Luís Farinha

“Em 21 de Janeiro, o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, solicitou ao      Eurogrupo a extensão dos prazos de maturidade dos empréstimos a                 Portugal, de modo a facilitar o regresso aos mercados”. (04.Março.2013 – CM)

Passos Coelho e Vítor Gaspar dão finalmente o dito por não dito ao ter agora (ainda que tardiamente) percebido que a sua miopia económica só podia ter um resultado: a queda no abismo. O slogn “Nem mais tempo nem mais dinheiro”, gritado obstinadamente pelos dois governantes era, além de claramente populista, inexequível e irremediavelmente suicidário. Os apelos veementes que de há muito lhes vinham a ser dirigidos pelos vários sectores de influência da vida portuguesa no sentido de ser corrigida a estratégia absurdamente adoptada, batiam numa espécie de muralha de betão, surda à lógica e à razão. E, entretanto, o declive foi-se inclinando cada vez mais.

Será que o ataque de deslumbramento que parece ter afectado o primeiro-ministro e o seu estratega financeiro desde que promovidos aos lugares que ocupam já terá sido ultrapassado? Façamos votos que o Divino os tenha iluminado…

Contudo, pelo sim ou pelo não talvez não seja demais ficarmos atentos ao que vier a seguir…

Seguidor da teoria de que nada acontece por acaso, permito-me apontar duas ou três razões que, acredito, podem ter contribuído para a tão notória (e criticada) indiferença manifestada pelos senhores Passos Coelho e Vítor Gaspar relativamente aos que, no terreno, anseiam por uma explicação que os faça entender a razão de uma nova taxa, o aumento de um imposto ou o corte de uma regalia. Na maioria dos casos, o conhecimento dessas decisões do Governo tem sido adquirido pelos cidadãos através dos media ou da desnutrida e apressada informação de um qualquer assessor ou secretário do gabinete da pasta. No vazio, fica assim não só a explicação cabal capaz de justificar a medida tomada como também a sensação de que, tal como no regime salazarista, o povo português continua a não ter o direito de ser ouvido seja a que pretexto for. Trata-se, de resto, da atitude igualmente adoptada por certas pessoas que, por razões nem sempre as mais íntegras, usufruem de elevada situação económica, levando-as – por isso – a sentirem-se no direito de perorar sobre a vida de quem pouco ou nada tem, dos que se debatem com a escassez de tudo e que se vêem de um dia para o outro a ser esbulhados do pouco que lhes resta, sem cerimónia ou sem que lhes expliquem por quê. “Aguenta, aguenta”, garantem esses filósofos de pacotilha do alto da sua abastança. E os governantes, pouco sábios e claramente ignorantes de como é a vida rasteira dos portugueses, acreditam e decidem em conformidade.

Não pretendo com isto apoucar a capacidade técnica dos jovens senhores que se sentam nas cadeiras do poder. Serão economistas de alto gabarito habituados à manipulação de números e a calcular os efeitos das suas manobras contabilísticas em favor de quem lhes oferece cargos supimpamente remunerados. Contudo, lamentavelmente, nunca ninguém lhes ensinou que os seus exercícios de aritmética pura não podem ser usados com frieza abstracta quando envolvem um povo, uma Nação. E no caso presente é isso que vem acontecendo, agora, neste nosso país.