16 de janeiro de 2012

Não é este o Portugal que sonhei…

Luís Farinha


O que poderei chamar ao alento que me ajuda a tornar mais suportável a decepção que me invade quando verifico que, afinal, não é este o Portugal que sonhei?

Com tantos anos vividos confesso que me sinto indiferente ao convencional, ao social ou ao politicamente correcto. Já não vejo razões, quaisquer razões, ainda que muito singulares, para ficar atado a rabos-de-palha. Convenço-me que depois de olhar o mundo, abismado, durante décadas, procurando respostas que nunca encontrei ou caminhos que, afinal, só tarde de mais acabei por perceber que foram atapetados para uso exclusivo de outros que têm um pisar mais leve e elegante que o meu, posso conceder-me o direito de discordar da corrente veneradora e obrigada, de comentar o que considero errado, de dizer, enfim que o rei vai nu, sem me ater a consequências perversas para a minha carreira.

Que se dane a carreira, cada vez mais curta!

Mas digo mais: acabei por me convencer, tarde, nesta idade provecta, quando penso que as utopias já deixaram de marcar o ritmo da vida que me foi dada para viver, que os sonhos são o alimento que me sustenta o resto do tempo que me está a ser concedido depois de ter chegado ao fim do período de validade. Sem circunlóquios despejados… que outra coisa poderia chamar ao alento que me ajuda a tornar mais suportável a decepção que me invade quando verifico que, afinal, o mundo - e Portugal, em particular - não são aquela coisa bonita que num passado cada vez mais distante os meus sonhos construíram?

Eis um exemplo a ilustrar o que parece ser (mas seguramente não é) um ataque de efémero desalento:  

Nos idos do Estado Novo punha-me muitas vezes a imaginar como seria este meu país quando (e se) um dia vivesse em democracia. Qual seria a sensação de estar num café, em conversa com os amigos, sem antes ter de olhar à volta, localizando os “bufos”. Poder falar com quem calhava e do que mais prazer me desse sem me ater à desconfiança sempre omnipresente, como uma sentinela permanentemente alerta, pronta a avisar-me do perigo que corria. Sem acabar por descobrir, decepcionado, que até alguns colegas de trabalho não passavam de esbirros políticos encartados, postos no meu caminho, prontos a comprometer-me. Cogitava eu, então, como seria bom viver em liberdade, sem me ocorrer que, por ela, viria a ser-me exigido um alto preço. Preço que chega agora a parecer-me desmedido quando levo em conta que essa tal coisa chamada de "liberdade" não passa de uma expressão vazia de sentido, servindo apenas de tergiversação para branquear algumas proezas pouco inocentes dos muitos aproveitadores que por aí pululam.

Mais exemplos?

A situação actual vivida em Portugal oferece-os em profusão…

O que posso esperar dum país em profunda degradação financeira e social cujo primeiro-ministro não hesita em sugerir aos seus jovens licenciados e aos professores sem trabalho que procurem os caminhos da emigração? Será exagerada a minha estupefacção face a tal enormidade? Que esperança posso esperar do futuro que há-de vir se o que eu esperava ouvir da figura máxima do governo era palavras reveladoras do seu empenho em construir uma sociedade onde se tornasse descabida, senão mesmo inaceitável a emigração dos portugueses? E para que nos não restem dúvidas que a ideia de estimular a emigração dos jovens é um projecto para levar a sério basta ler na página 33 do CM do passado domingo, dia 08, o título: “Ministro elogia nova emigração”. Referia-se o artigo a uma declaração de Miguel Relvas nos paços do concelho de Penela: O ministro Adjunto dos Assuntos Parlamentares, voltou a defender que “os jovens devem pensar na emigração como solução para a falta de emprego que se regista em Portugal”. Não deixando de louvar a capacidade de adaptação dos portugueses a novas realidades, Relvas considerou que essa é uma “condição natural que deve ser aproveitada, em especial pela juventude”. Rematando, o ministro teve no entanto o cuidado de tranquilizar os que o ouviam: “Esta é uma emigração muito bem preparada”, garantiu.

Outro exemplo que explica este meu desencanto tem a ver com a polémica suscitada pela decisão do patrão dos supermercados Pingo Doce em mudar a sede fiscal das suas empresas para a Holanda, com o propósito, confessou, de “defender o seu património”. Quer isto dizer que Portugal serviu-lhe para amontoar a fortuna que tem, mas na hora em que seria natural ouvi-lo afirmar e demonstrar a sua solidariedade… pernas para que te quero! Entre as várias explicações até agora ensaiadas para justificar a sua decisão, Alexandre Soares dos Santos refere uma questão que levanta a ponta do véu: “Não sei se Portugal fica no euro e se sair será para o escudo” e remata: “Tenho o direito de defender o meu património”. Claro que tem, senhor Alexandre, claro que tem, ninguém lhe pode negar esse direito, como antes não foi negado a dezenas de outros seus confrades que escolheram o mesmo caminho. Mas sabe, sou um bocado mais velho que o senhor e aprendi em muito jovem que é nas acções e não nas palavras que se reconhecem os grandes homens. E a verdade é que foi mercê de algumas acções de ajuda e solidariedade que o senhor subscreveu que nos habituámos a admirá-lo como pessoa merecedora de todo o respeito e simpatia. Daí a desilusão…

Portugal atravessa o período mais crítico de que tenho lembrança. Circunstâncias a que não são estranhas a ganância de alguns, a inépcia de uns quantos e a cegueira de um povo inteiro confluíram para esta espécie de abismo em que o país se precipitou. E o preço a pagar por este desvario colectivo é tão alto que corre o risco de não conseguir ser saldado com honra. Aliás, os sinais do opróbrio são já evidentes. Portugal é, no presente, olhado de lado pelo resto do mundo. De parentes pobres da Europa os portugueses foram já relegados para a condição de “lixo” da zona euro, designação que nos reduz a nada e nos envergonha enquanto nação quase milenar.      

Sejamos coerentes: Portugal precisa de um rumo que ainda não encontrou. Porém, para que isso possa vir a acontecer é fundamental que cidadãos de grande saber (que os há…) dêem um passo em frente dispostos a salvar o que resta dos destroços deixados pela sucessão de políticos que ao longo do tempo têm vindo a mostrar que a sua acção começa e acaba em decisões governativas que têm como objectivo essencial propiciar benesses para os seus apaniguados. Na ditadura, como nesta espécie de democracia em que vivemos, os exemplos são mais que muitos. Assisto à distribuição de empregos altamente remunerados a indivíduos que, na maior parte dos casos, passaram pelos corredores do poder. Ex-ministros, ex-secretários de Estado, ex-acessores e ex-chefes de gabinetes, ex-isto e ex-aquilo do aparelho do estado são os grandes beneficiários do sistema vigente. Há até exemplos de primeiros-ministros que, a meio dos seus mandatos, atiraram às malvas as promessas feitas aos portugueses nas campanhas eleitorais e a jura solene feita no acto da tomada de posse, para correrem atrás de empregos mais bem remunerados deixando atrás de si, sem pudor, o caos social. Quanto à governação, propriamente dita, a falta de talento é mais que evidente: nada se faz e nada se deixa fazer. E o incumprimento das promessas feitas logo que está passado o afã eleitoralista é a tónica que sempre marcou a ordem do dia passado que está o fervor das campanhas.

Nasci, vivi e perto estarei do descanso final sem que tenha tido o privilégio de ver o Portugal que sonhei. A improvisação tem sido a “estratégia” comummente aplicada na governança da nação, com os resultados que estão à vista. A afectação presunçosa é a imagem que me fica dos que se têm vindo a empoleirar nas cadeiras do poder. Na recta final da minha vida comprida a decepção que sinto é já imensurável.