5 de maio de 2013

Portugal sem futuro

Luís Farinha


Mil novecentos e vinte e nove foi marcado por dois acontecimentos dignos de nota: foi o ano em que lancei ao mundo o meu primeiro vagido e também aquele em que se registou uma recessão económica que, pelas piores razões, ficou inscrita na história de forma inapagável. Se o primeiro evento passou despercebido às gentes mais distraídas, o segundo ainda hoje é apontado como exemplo daquilo que mais assusta os cidadãos do mundo: a duvidosa capacidade dos que chamam a si a tarefa de amanhar a vida dos outros.

Foi nesse ano longínquo do século XX que o mundo foi abalado por uma profunda crise cujas consequências, de tão graves, causaram o descalabro económico do mundo. Estranhamente, porém, 84 anos depois, quando até os mais propensos ao cepticismo começavam a acreditar que a história não se repetiria, eis que o voltamos a experimentar novo solavanco, este bem mais terrível do que o que ocorreu no ano em que eu fui chamado a fazer parte desta vida em permanente desvario. Pior do que isso, desta vez Portugal parece estar no centro do sismo, integrado num pequeno grupo de nações europeias que estão a ser conduzidas à mais profunda miséria económica e social. Contudo, olhando com atenção fácil é concluir que o que está acontecendo nada tem a ver com mais uma crise circunstancial que, corrigida, logo nos reconduziria à vidinha relativamente aceitável a que nos habituámos nos últimos anos. Se a derrocada económica de 1929 conseguiu ser debelada nos finais da 2ª Grande Guerra Mundial, década e meia depois de ter irrompido, hoje assiste-se ao desmoronamento do estilo de vida que veio depois e que parecia ter sido ganho para sempre. Afinal, é bem claro agora, os homens sábios, os crânios políticos que tantas loas cantam acabaram por nos mostrar que não passam de meros vendedores de promessas, de ilusionistas hábeis na arte da dissimulação, gente para quem, no fim das contas, a única coisa a preservar é a sua própria vidinha, o seu bem-estar económico nunca suficientemente satisfeito ao mesmo tempo que dão lustro à sua imagem de importância. Só que ainda não repararam que estão a deixar bem à mostra a sua falta de vergonha.

Para cúmulo, estes homens empoleirados no privilégio do mando sobre os seus semelhantes não foram capazes – ou não conseguiram – reter as advertências sérias que o mundo lhes tem vindo a propiciar. São cábulas e irresponsáveis. Vaidosos do seu estatuto social e míopes a todo o resto. Sem rebuço, permitem-se até o desplante de ostentar sobranceira indiferença pelos danos que, por insuficiente capacidade, por ineficácia da sua acção ou por outros interesses inconfessáveis, causam aos que neles confiaram as suas vidas, o seu futuro.

É este o Portugal de hoje, numa Europa toda ela ameaçando soçobrar ao peso da ignomínia dos novos ‘donos do mundo’ obstinadamente empenhados na construção de uma sociedade alicerçada na supremacia do poder financeiro absoluto, sem espaço para a prática de uma democracia plural onde todos poderiam usar o direito de viver com dignidade, independentemente do seu estrato social.

A verdade é que Portugal, a Europa e o Mundo estão em processo de transformação social, levada a cabo pela implantação duma plutocracia desenfreada. O projecto para implementar a servidão dos mais fracos nunca foi tão notório. Está bem à vista de quem olhar para o caso português. Haja em conta o plano posto em prática pelo executivo governativo de última geração para proceder aos cortes continuados de apoios sociais ao cidadão comum. Ao cerceamento dos já parcos salários dos trabalhadores. À implantação de novas tributações ou ao agravamento das já existentes – manobras fiscais de lógica diabólica de que o famigerado TSU se tornou exemplo espantoso. E como se não bastasse o exorbitante desaforo dessas medidas – por si só claramente alucinadas – atente-se com atenção na forma desumanamente arrogante como as mesmas vão anunciadas ao povo da nação quando os principais figurões da governança – anafados da importância e da impunidade plena que julgam ser-lhes devida – usam palavras e ares a deixarem entender que os culpados da miséria que assola o país são os portugueses que se debatem na penúria, sendo o continuado agravamento das medidas aplicadas o merecido castigo. Chega a ser obscena a severidade que esses senhores exibem quando, depois de anunciadas as últimas ‘punições’ prometem para breve outras ainda mais severas.

Notória é a cega determinação dos homens no exercício do poder em Portugal quando decidem implantar uma nova tributação aos já exauridos pagadores dos milhões abusivamente desviados para obras não prioritárias ou de todo descabidas, ou para um maior conforto dos bolsos insaciáveis dos já habituais beneficiários da riqueza nacional. Não se poupam a esforços para fazer crer que só com austeridade será possível ultrapassar os problemas que, segundo eles, os portugueses causaram. Notável é também o esforço de tais tribunos no sentido de que a essa austeridade deve ser poupada a classe dos endinheirados, gente que não andou a acumular riqueza para a mesma ser depois utilizada em benefício da súcia de pobretanas que não têm direito a nada. Só assim pode ser entendida, de resto, a violência dessas medidas e a severidade com que são anunciadas. Na verdade, sendo a riqueza da Nação produzida e pertença de todos os portugueses, torna-se evidente que para alguns poderem ficar cada vez mais ricos, muitos outros têm de ficar cada vez mais pobres. Chama-se a isto a negação da equidade – um termo inadequadamente usado e abusado pelos cérebros tortuosos dos novos donos do poder. Vem a propósito lembrar o caso daquele senhor a quem foi atribuída a reforma de 170 mil euros mensais (fora ao resto) sem esquecer que se trata de um português que exerceu a sua actividade num estabelecimento bancário, em Portugal, em concorrência com outros do mesmo ramo. Por mais que se tente tornear a evidência com argumentos que a justiça sanciona, na sua essência trata-se de um caso claro de fuga à lógica e à razão mais lineares.   

Agora, novas medidas de austeridade foram decididas pela dupla Coelho/Gaspar. Como sempre, os alvos são os trabalhadores (da Função Pública) e os pensionistas e reformados. Daí, concluir-se que temos mais do mesmo. O projecto social está, irrevogavelmente, apostado no aniquilamento da classe média (que de média já nada tem), na lógica dum Portugal sem futuro.