13 de março de 2013

A “crise” que mete medo!

Luís Farinha


Se a crise for entendida como uma situação de penúria transitória, ocorrida num dado período devido a circunstâncias anómalas, teremos de reconhecer que Portugal é, efectivamente, um país eternamente adiado. Por cá a crise não é coisa circunstancial, é um problema crónico, já vem de longe; de tão longe que um cidadão que hoje conte 80 anos, pertencente à classe média baixa, o chamado filho do povo, jamais deixou de viver encalacrado. No antigo regime essas dificuldades eram-lhe impostas pelo sistema político instituído por Salazar, ele próprio o arquétipo do português não apegado aos bens terrenos, preferindo aferrolhar o ouro a bom recato. Depois, quase quarenta anos após o 25 de Abril, a grande maioria dos portugueses continuam a viver à rasca, não só devido à manifesta incompetência dos governantes que desde então têm vindo a ocupar as cadeiras do Poder como pela protecção por eles dispensada às artimanhas económicas e financeiras dos atafulhadores da riqueza que é de todos. A expressão “apertar o cinto” foi institucionalizada sendo agora a marca que distingue o cidadão luso dos seus “primos” europeus.

O cenário em que o País vive na actualidade é realmente assustador. A tal ponto que até os próprios governantes já se não atrevem a prometer melhores condições de vida nos anos que aí vêm. Daí a opinião de que a situação presente não deve ser olhada como se de mais uma crise se trate porque, como parece evidente, estamos a assistir à plena transformação da sociedade que nos foi mostrada durante breves décadas e da qual – por confusão – todos usufruímos na medida em que governantes mal preparados não tiveram a argúcia de controlar atempadamente um terreno em desvario onde a acção nefasta das feras sequiosas instalaram o desnorteio.

Em resultado dessa imprevidência desenha-se agora no horizonte o regresso aos tempos dos sonhos que não passam disso mesmo. Dos anseios não satisfeitos. Da esperança oca, nunca saciada. É já por demais evidente o regresso à penúria, ao desespero da espessa maioria dos portugueses enquanto uma pequena minoria se lambuza despudoradamente com a riqueza por todos produzida.  

É talvez a oportunidade para os portugueses se convencerem de que não podem tentar imitar os cidadãos dos chamados países ricos da Europa querendo, como eles, viver com alguma largueza. Prova disso é a situação de endividamento familiar, verdadeiramente catastrófico, provocado pelo excessivo optimismo manifestado pelo poder político nos seus discursos de faz-de-conta ao longo das últimas décadas, enquanto Portugal soçobrava a olhos vistos. Face ao clima delirante assim introduzido, o portuga imprudente não foi capaz de resistir ao cerrado assalto das instituições financeiras que, com o beneplácito das entidades governamentais, trouxeram o canto da sereia, o compre-agora-e-pague-depois, despertando nas gentes o natural desejo de possuir, impulso geralmente embrionário em todas as camadas sociais. Os avisos de contenção lançados pelos que conseguiam não perder o sentido da realidade sendo, por isso, capazes de discernir as consequências do abismo que se estava a cavar, não surtiram qualquer efeito. Adquirir passou a ser o passatempo preferido dos portugueses que, com o cartãozinho de plástico substituindo o dinheiro vivo, se esqueceram de fazer contas. O resultado desse destempero está á vista e, como noutros casos, provavelmente a culpa vai morrer solteira. 

4 de março de 2013

Nem mais tempo…

Luís Farinha

“Em 21 de Janeiro, o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, solicitou ao      Eurogrupo a extensão dos prazos de maturidade dos empréstimos a                 Portugal, de modo a facilitar o regresso aos mercados”. (04.Março.2013 – CM)

Passos Coelho e Vítor Gaspar dão finalmente o dito por não dito ao ter agora (ainda que tardiamente) percebido que a sua miopia económica só podia ter um resultado: a queda no abismo. O slogn “Nem mais tempo nem mais dinheiro”, gritado obstinadamente pelos dois governantes era, além de claramente populista, inexequível e irremediavelmente suicidário. Os apelos veementes que de há muito lhes vinham a ser dirigidos pelos vários sectores de influência da vida portuguesa no sentido de ser corrigida a estratégia absurdamente adoptada, batiam numa espécie de muralha de betão, surda à lógica e à razão. E, entretanto, o declive foi-se inclinando cada vez mais.

Será que o ataque de deslumbramento que parece ter afectado o primeiro-ministro e o seu estratega financeiro desde que promovidos aos lugares que ocupam já terá sido ultrapassado? Façamos votos que o Divino os tenha iluminado…

Contudo, pelo sim ou pelo não talvez não seja demais ficarmos atentos ao que vier a seguir…

Seguidor da teoria de que nada acontece por acaso, permito-me apontar duas ou três razões que, acredito, podem ter contribuído para a tão notória (e criticada) indiferença manifestada pelos senhores Passos Coelho e Vítor Gaspar relativamente aos que, no terreno, anseiam por uma explicação que os faça entender a razão de uma nova taxa, o aumento de um imposto ou o corte de uma regalia. Na maioria dos casos, o conhecimento dessas decisões do Governo tem sido adquirido pelos cidadãos através dos media ou da desnutrida e apressada informação de um qualquer assessor ou secretário do gabinete da pasta. No vazio, fica assim não só a explicação cabal capaz de justificar a medida tomada como também a sensação de que, tal como no regime salazarista, o povo português continua a não ter o direito de ser ouvido seja a que pretexto for. Trata-se, de resto, da atitude igualmente adoptada por certas pessoas que, por razões nem sempre as mais íntegras, usufruem de elevada situação económica, levando-as – por isso – a sentirem-se no direito de perorar sobre a vida de quem pouco ou nada tem, dos que se debatem com a escassez de tudo e que se vêem de um dia para o outro a ser esbulhados do pouco que lhes resta, sem cerimónia ou sem que lhes expliquem por quê. “Aguenta, aguenta”, garantem esses filósofos de pacotilha do alto da sua abastança. E os governantes, pouco sábios e claramente ignorantes de como é a vida rasteira dos portugueses, acreditam e decidem em conformidade.

Não pretendo com isto apoucar a capacidade técnica dos jovens senhores que se sentam nas cadeiras do poder. Serão economistas de alto gabarito habituados à manipulação de números e a calcular os efeitos das suas manobras contabilísticas em favor de quem lhes oferece cargos supimpamente remunerados. Contudo, lamentavelmente, nunca ninguém lhes ensinou que os seus exercícios de aritmética pura não podem ser usados com frieza abstracta quando envolvem um povo, uma Nação. E no caso presente é isso que vem acontecendo, agora, neste nosso país.