18 de agosto de 2013

Com sua licença, Senhor PM


Luís Farinha

  Permita-me, Dr. Passos Coelho, que lhe fale com franqueza: os seus actos enquanto chefe do governo têm vindo a demonstrar claramente – ao longo do tempo que leva no lugar que ocupa – que padece duma confrangedora carência de consciência social e humanista. Será isso, na minha opinião, que o impede de desempenhar com êxito pleno a função tão difícil que lhe foi confiada.

  Ostentando confrangedora insensibilidade, o senhor tem marcado os seus contactos com os dez milhões de portugueses que estão à sua mercê como se fossem os culpados da bancarrota que o País atravessa. E tal insinuação é falsa, como bem sabe, senhor primeiro-ministro. Os culpados desta desgraça devem ser encontrados em estratos que nada têm que ver connosco, os cidadãos rasteiros: políticos carreiristas, empresários de nomeada, especuladores financeiros sem carácter, ladrões furtivos que se escondem por detrás das posições-chave onde se delineiam os grandes negócios deste país em plena desordem social e económica à espreita de ocasiões propícias para desencadearem golpadas bem rendosas, corruptos e corruptores sem migalha de escrúpulos, gente suja que usa roupa cara enquanto se coloca a jeito para desviar para si ou para terceiros o que à Nação pertence. São eles e não o povo anónimo que, dando ouvidos aos apelos mil vezes repetidos pelos promotores do compre agora e pague depois, se atreveu a meter-se na compra a crédito de uma casa de duas assoalhadas para meter a família, de um carrito utilitário ou de uma ou outra bugiganga que a publicidade engenhosa dos grandes grupos de distribuição ainda agora lhes continua a enfiar pelos olhos adentro. O povo é fraco, senhor doutor, é fraco e talvez imprevidente, convenhamos, e os homens de negócios, no afã de embolsarem mais milhões, sabem bem como despertar-lhe o desejo de posse que vive latente no fundo dos seus anseios.

   Voltando à postura de juiz inclemente que o senhor exibe quando fala aos portugueses (lembro-me sempre de um professor que aturei na instrução primária…) concluo que de duas uma: está mesmo convencido de que somos nós, o povo, os culpados de tudo o que de errado e vil se passa em Portugal ou, não sendo assim, é porque o senhor carece da sensibilidade que se tem como indispensável a quem se voluntaria para desempenhar o cargo que lhe foi confiado.

   Perdoe-me a franqueza, senhor doutor, mas quando o vejo dirigir-se ao microfone para falar ao país e, com ar severo e dedo no ar, debita a sua reprimenda e anuncia a consequente punição que, mais uma vez, decidiu aplicar aos ‘culposos’, vem-me de imediato à ideia um antigo colega seu que ainda por cá andava há meio século atrás.

   E fico preocupado…
 
   Fico preocupado porque sinto reavivar a impressão de que o senhor doutor Passos Coelho parece não ter ainda entendido que foi escolhido não para dar continuidade ou cobertura à imundície que a súcia de espertalhões que o precederam no cargo que agora ocupa vieram espalhando ao longo de muitos anos. E é por isso que me atrevo a vir lembrar-lhe que o senhor foi eleito, exactamente, para acabar com esse crime. Que veio para acabar com as manobras de empobrecimento sistémico do povo, com o desígnio maquiavélico inventado para benefício dos abutres que enxameiam e conspurcam a política e a economia deste nosso rincão habitado por dez milhões de seres humanos, homens, mulheres, crianças e velhos que, acredito, na sua imensa maioria não merecem – não podem ser confundidos com essa canalha imunda.

   Face a essa carência elementar, própria de quem pouco sabe da vida, parece ser altura de lhe sugerir a toma de quaisquer medidas adequadas à correcção do lapso. Pode começar, senhor primeiro-ministro por imaginar-se a sobreviver, como um de nós, às dificuldades que tem vindo a implementar, cada vez mais contundentes e tomando por alvo preferencial o sacrificado povo do seu país.

   Não lhe quero mal, senhor, até porque – acredite – sou hoje um dos que se sentem responsáveis pelo lugar que ocupa. Votei em si não por erro de estratégia mas porque, apesar da minha idade avançada, conservo uma incurável tendência para acreditar nas patranhas que me contam.  

   Há pessoas que, pela sua dificuldade em conseguir medir a gravidade das consequências decorrentes dos seus actos, arriscam decisões que a teoria financeira aponta como recomendáveis mas que, na prática, revelam ser atentatórias da boa moral e injustas quando impostas a outros a quem é negado o direito de contrapor. É o que se passa em Portugal neste momento da história. Desta vez o seu intérprete é o senhor.

   Teimo em acreditar que não o faz por maldade, mas antes por carência de discernimento, por falta de experiência de vida.

   O que acabo de lhe dizer é um desabafo, eu sei. Talvez, antes, mais um grito de aflição face ao país sem esperança que estou prestes a deixar aos meus filhos e netos que olham assustados para o horizonte vazio que têm pela frente.

   Senhor primeiro-ministro pare para pensar, por favor. Procure – se ainda for a tempo – rever a incongruência da sua governação. Antes que o seu nome seja gravado na história como o coveiro desta nação milenar, chamada Portugal.

Obrigado. Passe bem…  

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