Luís Farinha
Ostentando
confrangedora insensibilidade, o senhor tem marcado os seus contactos com os
dez milhões de portugueses que estão à sua mercê como se fossem os culpados da
bancarrota que o País atravessa. E tal insinuação é falsa, como bem sabe,
senhor primeiro-ministro. Os culpados desta desgraça devem ser encontrados em
estratos que nada têm que ver connosco, os cidadãos rasteiros: políticos
carreiristas, empresários de nomeada, especuladores financeiros sem carácter,
ladrões furtivos que se escondem por detrás das posições-chave onde se delineiam os grandes negócios deste
país em plena desordem social e económica à espreita de ocasiões propícias
para desencadearem golpadas bem rendosas, corruptos e corruptores sem migalha
de escrúpulos, gente suja que usa roupa cara enquanto se coloca a jeito para
desviar para si ou para terceiros o que à Nação pertence. São eles e não o povo
anónimo que, dando ouvidos aos apelos mil vezes repetidos pelos promotores do compre agora e pague depois, se atreveu
a meter-se na compra a crédito de uma casa de duas assoalhadas para meter a
família, de um carrito utilitário ou de uma ou outra bugiganga que a
publicidade engenhosa dos grandes grupos de distribuição ainda agora lhes
continua a enfiar pelos olhos adentro. O povo é fraco, senhor doutor, é fraco e
talvez imprevidente, convenhamos, e os homens de negócios, no afã de embolsarem
mais milhões, sabem bem como despertar-lhe o desejo de posse que vive latente
no fundo dos seus anseios.
Voltando à postura de juiz inclemente que o
senhor exibe quando fala aos portugueses (lembro-me sempre de um professor que
aturei na instrução primária…) concluo que de duas uma: está mesmo convencido
de que somos nós, o povo, os culpados de tudo o que de errado e vil se passa em
Portugal ou, não sendo assim, é porque o senhor carece da sensibilidade que se
tem como indispensável a quem se voluntaria para desempenhar o cargo que lhe
foi confiado.
Perdoe-me
a franqueza, senhor doutor, mas quando o vejo dirigir-se ao microfone para
falar ao país e, com ar severo e dedo no ar, debita a sua reprimenda e anuncia
a consequente punição que, mais uma vez, decidiu aplicar aos ‘culposos’, vem-me
de imediato à ideia um antigo colega seu que ainda por cá andava há meio século
atrás.
Fico preocupado porque sinto reavivar a impressão de que o senhor doutor Passos Coelho parece não ter ainda entendido que foi escolhido não para dar continuidade ou cobertura à imundície que a súcia de espertalhões que o precederam no cargo que agora ocupa vieram espalhando ao longo de muitos anos. E é por isso que me atrevo a vir lembrar-lhe que o senhor foi eleito, exactamente, para acabar com esse crime. Que veio para acabar com as manobras de empobrecimento sistémico do povo, com o desígnio maquiavélico inventado para benefício dos abutres que enxameiam e conspurcam a política e a economia deste nosso rincão habitado por dez milhões de seres humanos, homens, mulheres, crianças e velhos que, acredito, na sua imensa maioria não merecem – não podem ser confundidos com essa canalha imunda.
Face a essa carência elementar, própria de
quem pouco sabe da vida, parece ser altura de lhe sugerir a toma de quaisquer
medidas adequadas à correcção do lapso. Pode começar, senhor primeiro-ministro
por imaginar-se a sobreviver, como um de nós, às dificuldades que tem vindo a
implementar, cada vez mais contundentes e tomando por alvo preferencial o
sacrificado povo do seu país.
Não lhe quero mal, senhor, até porque –
acredite – sou hoje um dos que se sentem responsáveis pelo lugar que ocupa.
Votei em si não por erro de estratégia mas porque, apesar da minha idade
avançada, conservo uma incurável tendência para acreditar nas patranhas que me
contam.
Há pessoas que, pela sua dificuldade em
conseguir medir a gravidade das consequências decorrentes dos seus actos,
arriscam decisões que a teoria financeira aponta como recomendáveis mas que, na
prática, revelam ser atentatórias da boa moral e injustas quando impostas a
outros a quem é negado o direito de contrapor. É o que se passa em Portugal
neste momento da história. Desta vez o seu intérprete é o senhor.
Teimo em acreditar que não o faz por
maldade, mas antes por carência de discernimento, por falta de experiência de
vida.
O que acabo de lhe dizer é um desabafo, eu sei. Talvez, antes, mais um grito de aflição face ao país sem esperança que estou prestes a deixar aos meus filhos e netos que olham assustados para o horizonte vazio que têm pela frente.
Senhor primeiro-ministro pare para pensar,
por favor. Procure – se ainda for a tempo – rever a incongruência da sua
governação. Antes que o seu nome seja gravado na história como o coveiro desta
nação milenar, chamada Portugal.
Obrigado.
Passe bem…
Sem comentários:
Enviar um comentário