14 de junho de 2013

Um caso do acaso…

Luís Farinha


   Vão 35... 40 anos?
   Por aí...
   Dessa época recordo o período confuso do 25 de Abril, que aconteceu um par de anos depois de a ter conhecido...
   Como e em que circunstâncias a vi pela primeira vez?
   Bom... um amigo perguntou-me se eu seria capaz de arranjar emprego – ‘um emprego mesmo modesto’ - para uma jovem amiga sua.
   Quis o acaso (o acaso tem destas coisas...) que a oportunidade surgisse três ou quatro dias depois. Um emprego numa sapataria, no Chiado, em Lisboa.
   Por indicação minha a jovem foi lá... e conseguiu o lugar.
   "Uma boa empregada!" -  dizia meses depois o meu amigo Felício, o seu novo patrão.
    Curiosamente, perdi-a de vista depois desse episódio fugaz... Pelo menos estive sem a ver durante mais de um ano.
  
   Um dia, tomava eu café, com um colega, no Foia, no Campo de Santana, em Lisboa, quando a jovem da mesa ao lado me cumprimentou com um aceno da cabeça...
   Correspondi, sem a reconhecer.
   Vendo a minha hesitação, lembrou-me então quem era: “eu sou…”
   E fez-se luz!
   Só que não percebi como é que uma empregada de balcão, estava alí, às quatro da tarde, sentada, calmamente, a tomar café! E foi essa a questão que lhe pus, prevendo já ouvir o relato dum eventual desentendimento laboral.
   Tinha deixado o emprego que eu lhe conseguira, explicou-me, para se dedicar a tempo inteiro à realização dum sonho: tirar o curso de enfermeira. A escola funcionava a dois passos, na Artur Ravara, localizada no Hospital dos Capuchos. Aproveitara um intervalo para vir ali tomar café…
   Em tom casual contou-me que vivia um período algo difícil. Tinha esgotado as reservas amealhadas que lhe permitiam manter-se a estudar, sem trabalhar. Segundo confessou, todo o dinheiro que havia conseguido guardar tinha chegado ao fim. Por isso, adiantou com evidente desgosto, tinha de pôr de lado o velho sonho e voltar a empregar-se.

   Por natureza impulsivo, só voltei a mim depois de me ter oferecido para a ajudar. Porém, ciente das armadilhas que a bondade esconde, desde logo achei por bem não deixar pairar a dúvida. E fi-lo – reconheci depois – de forma um tanto brusca: “Mas faço questão de frisar que não pretendo nada em troca”, adverti-a. “Você é uma jovem simpática mas confesso-lhe que, além do mais, não faz o meu género. É em nome da amizade que tenho ao Henrique (o nosso amigo comum) que a vou ajudar mais esta vez”. E rematei: “Faça de conta que encontrou uma velha tia que se dispôs a valer-lhe”.

   ... e ajudei-a até ao final do curso, três ou quatro meses depois. Tarefa que aliás terminou da melhor maneira com o desejado diploma de enfermeira.
  
   E foi assim que a história começou. Tantos anos passados posso garantir, hoje, que aquele meu gesto espontâneo não servira para acobertar outra intenção que não aquela que referi: quis ajudar alguém em manifesta dificuldade, a amiga dum amigo que eu estimava e de quem já não sei há largos anos. Mais do que as palavras que dela ouvia foi o seu olhar contristado que fez disparar o pouco que de bom terei dentro de mim. Como noutros momentos do meu percurso de vida, só depois me deu para reflectir acerca do episódio que acabara de viver. Só então me dei conta de que por mais que eu insistisse ou jurasse ninguém iria acreditar, daí em diante, na lisura da minha oferta àquela rapariga. Quem me conheça de longa data sabe bem que, em questões de sexo, com ou sem paixão, nunca recorri à compra de amor. Excepção óbvia no breve período da adolescência quando a natureza me começou a impor a satisfação das sensações que o corpo me exigia. Era um tempo em que os namoros se ficavam por um beijo furtivo ou uma carícia fugaz. Sem espaço, na maioria das vezes, para ir mais além.

   A sua primeira colocação, na nova profissão, ocorreu logo depois de terminar o curso. E a amizade entretanto estabelecida foi-se reduzindo a um ou outro breve encontro para – segundo dizia – dar-me notícia da sua evolução na carreira que eu a ajudara a construir. Entretanto, um acaso fortuito fez o que eu jamais previra. A amizade redundou em algo mais, numa situação que eu estava bem longe de prever e sobretudo de querer. Durou enquanto durou até que um dia cada um de nós partiu ao encontro de outros destinos, seguindo rumos diferentes.

   Foi um dos casos do acaso que a vida reserva a cada um de nós…

   Alguns anos depois, vi-a na televisão, num programa de que não recordo o nome. A minha protegida dera uma nova volta à sua vida, pondo de lado a profissão de enfermeira – a velha aspiração que eu ajudei a concretizar. Transformara-se numa empresária ligada à moda.
  
   E o seu nome continua a brilhar no néon duma conhecida boutique da cidade de Lisboa.

   Casou, venceu... criando renome nessa actividade.

   Nunca mais a vi…

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