1 de julho de 2013

Outra vida… outros tempos!

Luís Farinha

   Ainda acontece nas minhas deambulações por esta Lisboa onde nasci e vivi a maior parte da aventura fascinante do dia-a-dia. Depois de tantos anos, Lisboa tornou-se um vício de que me sinto dependente… incuravelmente dependente.

   Mas ia eu a dizer que ainda me acontece, quando ando por Lisboa, ser visitado por memórias que irrompem do fundo dos tempos, e que me fazem recordar rostos, corpos, histórias, cenas e situações. Umas que se mantêm bem vivas, como se o passado se limitasse ao dia de ontem, outras que se foram esbatendo ao correr incessante duma vida muito vivida, restando delas, apenas, vagas lembranças que não resistiram ao rodar imparável do tempo.

   Ainda há dias, por exemplo, passei à porta do edifício onde comecei as andanças da rádio, corria o ano de 1961. Lá, no bairro onde nasci, na Graça, curiosamente na mesma rua onde frequentei a Instrução Primária, na velhíssima Voz do Operário.

   Tantos anos que passaram…

   Entre outras coisas, as lembranças trouxeram-me de volta a Alda Maria, minha colega na Rádio Voz de Lisboa e esposa do director da emissora; e com ela, o programa “Um Cantinho e Você”, com os pedidos dos ouvintes e o “Programa dos Doentes”, uma rubrica que procurava amenizar os que jaziam nos leitos dos “estabelecimentos hospitalares” ou “nas suas residências”, como ela dizia.

   Que longe vão esses tempos…

   Dos colegas de então, já poucos restam agora. A Alda Maria, uma bonita mulher, suicidou-se, atirando-se do alto do 3.º andar onde morava, na Av. Infante Santo, em Lisboa. O António Silva, operador de som e sonoplasta de grande talento, encontrei-o há uns anos, num fim de tarde chuvoso, a vender lotaria junto ao Marquês de Pombal. Ao Armando Baetas, locutor, perdi-lhe o rasto desde que se afastou da rádio. O Fernando Pires, outro operador de som, também já não pertence ao mundo dos vivos. Paulo de Medeiros, idem. O meu compadre José Manuel Bento, locutor, também já se foi, há largos anos, para o outro lado da vida. A sua mulher, Maria Elvira Bento, é hoje uma jornalista de que pouco ouço falar. O Artur Pereira, locutor, não sei o que foi feito dele. Lembro-me ainda das graçolas que fazia-mos com a sua arraigada claustrofobia e, em particular, de uma viagem que fizemos ao Porto, em trabalho: foi num mês de Dezembro – chuvoso p´ra caramba – e fomos e viemos com as janelas do carro escancaradas. Quando, quase gelado, eu as tentava fechar, logo o Artur entrava em pânico. Ainda sobre o seu horror aos espaços fechados, as piadas passaram a ser mais que muitas quando nos contou que as suas noites, na cama, eram alucinantes: tudo porque ele só conseguia adormecer com os pés de fora o que resultava nas lutas titânicas que mantinha com a esposa que, principalmente no Inverno, só dormia com os pés tapados. Resultado: enquanto ele puxava os lençóis para cima, ela puxava-os para baixo. Recordei ainda o L.F.A. que, como vim a descobrir casualmente, acumulava então a profissão de locutor com a de chefe de brigada da PIDE, a mal afamada instituição policial do antigo regime. Talvez porque se sentiu descoberto, afastou-se, nunca mais o vi. Outros, um pouco mais novos e que apareceram mais tarde, dando boa conta de si: o António Sala, vindo da Rádio Ribatejo; o Júlio César, que antes fazia imitações em espectáculos, aqui e ali; o João Paulo Diniz; o António Crespo – um puto que desempenhava as funções de estafeta e outros de que já não recordo os nomes.

   Lembrei-me desses e de muitos outros, quando – numa recente visita ao meu velho bairro – passei pelo edifício da RVL, na Rua da Voz de Operário, onde tudo começou…

   Vão mais de 50 anos… mas parece que foi há um ou dois meses!

   Como o tempo passa depressa; e como nos agarramos às lembranças que fizeram de nós as pessoas que hoje somos…

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