15 de julho de 2013

“Quem sabe faz, quem não sabe dá conselhos”

Luís Farinha


   É um ditado antigo que o quotidiano confirma a cada passo: “Quem sabe faz, quem não sabe dá conselhos”. Antigo, mas cada dia mais transparente entre os que criaram e alimentam a convicção de que a sabença se esgota nas suas mentes privilegiadas. Tal fenómeno ocorre, hoje, com inusitada frequência, sendo corriqueira entre os que se comprazem em exibir a erudição em que se têm como excepcionais.

   Os políticos, em particular, são useiros obstinados desta demonstração de superioridade sobre os outros mortais. Tal como os treinadores de bancada, também eles se convencem que as soluções inquestionáveis sobre o que for pulsam, latentes, nos escaninhos das suas mentes superiores. E é assim que, por artes e manhas, acabam por convencer os crédulos que o país só terá futuro com a sua contribuição. Só que, passado algum tempo de exercício no centro do poder, a maioria desses predestinados estatela-se ao comprido, acabando por sair de cena pela esquerda baixa.

   É isso que tem vindo a acontecer depois que os militares nos ofereceram a revolução dos cravos e os políticos garantiram que Portugal ia mudar. Tinham razão, caramba! O país mudou: hoje os ricos cresceram em número e ficam cada vez mais opulentos, enquanto isso a classe média foi já esfrangalhada e os pobres estão finalmente e sem contemplações, a ser promovidos a indigentes.

   Exagero? Olhem que não.

Haja em conta os despedimentos em massa, a miserabilidade crescente do povo, os desempregados sem esperança e, em particular os jovens sem futuro, a quem é negado um plano de vida, o direito a uma existência digna. Vale-lhes a sabedoria inesgotável do centro do poder que os aconselha a irem viver para outro lado, a procurarem além fronteiras o trabalho que aqui não encontram. E, brademos aos céus(!), é precisamente a estes, aos mais pobres, aos mais desprovidos, que os senhores governantes, os ‘cérebros’, apontam as baterias atribuindo-lhes a incumbência de pagar – não se sabe bem como – a famosa ‘austeridade’, designação exaustivamente repetida nos corredores do poder.

   Mas o que é ainda mais inacreditável, são esses – os que se autopromoveram a governantes dos dez milhões de portugueses – que ainda deixam a pairar a falsa ideia de que os culpados da situação paupérrima a que o país chegou são exactamente os pobres, os que têm sido permanentemente quilhados pela distinta galera política, um pecado que os torna, desde logo, merecedores dessa ‘penitência’.

   É o que ressalta da atitude sobranceira, altiva, arrogante, inquisitiva, exibida pelos senhores doutores Passos Coelho e Vitor Gaspar, quando vinham comunicar aos portugueses mais um agravamento ou introdução de uma nova taxa contributiva, um novo imposto ou mais um corte nas já paupérrimas reformas e pensões dos idosos deste desgraçado país.     

   Na verdade, talvez não possamos acusar os governantes, estes e os outros, de não terem mudado Portugal. Mudaram sim, senhores: transformaram-no num atoleiro, lotado de despojados.           
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   Aconteceu recentemente com o senhor doutor Gaspar quando, na sua missiva de adeus, teve a franqueza de – embora tarde de mais – reconhecer os becos sem saída em que se meteu, confundindo a árvore com a floresta. Afinal as teorias que tinha como infalíveis serviram apenas para precipitar no abismo o povo desta nação dando cabo da vida de milhões de portugueses que ficaram na miséria e de milhares de jovens a quem roubou o futuro que mereciam e a que tinham direito. Uma semana depois, sorridente, regressou à actividade que antes desempenhava: consultor do conselho de administração do Banco de Portugal. No seu gabinete confortável vai continuar a dar conselhos, acção em que é especialista, usufruindo da boa e rendosa vida que tinha antes da sua desgraçada aventura política. Com esta aprendeu, pelo menos, que para governar um país não basta manipular com mestria uma simples calculadora. Segundo ele próprio escreveu na sua carta de adeus, acabou por reconhecer que não fora talhado para a prática governamental. Algo que todos percebemos desde o princípio do seu desempenho, sem precisar de desenhos. Dar conselhos é, sem sombra de dúvida, o ofício que lhe cabe como uma luva.  



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