22 de setembro de 2012

Onde pára a consciência social?

Luís Farinha


Numa crónica aqui publicada há algum tempo tentei mostrar como em Portugal tem sido possível – sendo já corrente – os cidadãos percorrerem uma vida inteira a dar no duro a fim de se integrarem como membros de pleno direito na comummente designada “classe média”. Só que, concluem mais tarde, já na curva descendente de uma vida revestida de decepções, tudo não passou de um esforço inglório, ao verem-se reduzidos a uma condição económica sumamente precária e humilhante. É então, ainda que tardiamente, que conseguem perceber como o sistema trata a classe rasca dos que vivem unicamente do seu trabalho. Limpo o suor do rosto, alquebrado por uma vida inteira de expectativas defraudadas, resta ao povo da Nação as sobras de um Estado pensado para benefício dos seus protegidos e da sempre crescente fauna de espertalhões sem pejo, que vivem à espreita de uma boa oportunidade para chamar a si os frutos do trabalho alheio, a riqueza que a todos pertence. Este continua a ser um cenário que tem vindo a expandir-se e que, pelo que nos é dado observar, promete perpetuar-se ao longo de incontáveis gerações vindouras.

Ser pobre, na verdadeira acepção do termo, parece ser o destino que tem vindo a implantar-se nos nossos dias ante a loquacidade presumida e iludível dos que se chegam à frente prometendo retirar a nação do lamaçal para onde foi precipitada pela ganância de muitos e a inaptidão de uma sucessão de políticos mal alinhavados. Na verdade, o sentimento geral dos cidadãos comuns aponta cada vez com mais veemência para uma realidade que ressalta das conversas ocasionais: Portugal está a ser remetido para o rol dos países mais desvalidos no contexto das nações europeias. O ponto crucial conducente a essa conclusão, na opinião do povo anónimo, foi o pedido angustiado de ajuda externa, ajuda que acabou por ser concedida a custo especulativo de meter medo ao medo e da consequente perda de autonomia que nos foi imposta e que nos avilta enquanto nação independente quase milenar.

Os portugueses vivem, nos tempos que correm, em profunda expectação. Como se pisassem terreno minado, olham a estrada que têm em frente sem vislumbrarem o caminho a seguir. O destino, pressentem, é um deserto chamado nenhures e por isso ficam parados, absortos, revoltados com a sua ingenuidade, sem conseguirem atinar como foi possível terem-se deixado cair no logro que uma caterva de indivíduos - para quem a honra não passa duma expressão retórica - lhes armou. E por aí se quedam, sem defesa, à mercê das aves de rapina que esvoaçam à sua volta, espreitando onde podem bicar sem que castigo lhes venha. Indo mais ao fundo da questão, de uma coisa estou certo: se a riqueza da nação se esfumou é porque foi dissipada em aplicações abusivas ou inadequadas ou porque alguns - por vias escusas - dela se assenhoraram sub-repticiamente, à socapa dos que para a mesma contribuíram: os cidadãos sistematicamente despojados dos seus direitos fundamentais para que aos ricos não falte o adubo que lhes faz crescer os cabedais. Ou então há que admitir que a lógica é uma expressão vazia de significado.

Convém não perder de vista que os ricos são insaciáveis. Por mais que esbulhem e amontoem não curam a obsessão de verem os milhões acumulados aumentarem até ao infinito. Não é em vão que a Forbes se dá ao cuidado de, anualmente, anunciar ao mundo os nomes dos ricos mais ricos do planeta. O anafado Carlos Slim Helu, do México, é o nababo que a todos leva a palma com os seus 74 mil milhões de dólares. Depois vêm os outros, os que se esfalfam para, sem perder tempo com minudências, conseguirem destronar o sôfrego acumulador de dinheiro. Somando sempre, em 2011 a fortuna de todos os bilionários dignos desse título chegava ao total de 4,5 triliões de dólares. Deles fazem parte, obviamente, alguns nomes portugueses, gente renomada pelas fortunas que detêm e pelos negócios que exploram. Pessoas que conseguiram enriquecer numa sociedade manifestamente pelintra, ressaltando ainda a constatação de que têm sido ajudadas pelo regime a manter incólumes - se não mesmo a engordar - as suas riquezas, por razões que escapam à classe rasteira.     
Prova insofismável da linha de orientação que acalenta os sonhos dos que se deleitam nas fortunas construídas ou herdadas pode ser extrapolada duma notícia que veio a lume em data recente:
“Gina Rinehart (a mulher mais rica do mundo), dona de uma fortuna de cerca de 14 515 milhões de euros, enriqueceu depois de herdar o dinheiro e de se ter tornado a principal acionista da empresa mineira australiana Hancok.
Rinehart culpou as políticas ‘socialistas’ anti-empresas por infestar a Austrália de pobres e vagabundos, instando o governo a reduzir o salário mínimo e os impostos às empresas se não quiser acabar como a Grécia.”

Tal exemplo serve para mostrar a dificuldade que os bem instalados têm em aceitar uma sociedade que leve em conta os interesses dos que vivem exclusivamente do seu labor. Além de que explica, igualmente, por que é que os políticos no poder são tão destros a criar contribuições que penalizem os trabalhadores  enquanto, ao mesmo tempo, favoreçam os patrões. Na dicotomia ‘ricos versus pobres’ o esquema prevalecente obedece à seguinte regra: menos impostos para os primeiros, menos salários para quem os ajuda a enriquecer. Daqui ressalta uma conclusão elementar: uns seriam menos ricos se os outros fossem menos pobres.

Como se sabe a sociedade portuguesa tem dois milhões de carenciados. Nada menos do que dois em cada dez portugueses sobrevivem com menos de 60 por cento da média nacional de rendimentos. E o que mais dói em tudo isto é que enquanto o Estado faz “vista grossa” aos grandes caloteiros fiscais (embora saiba bem quem são e onde estão), aperta até ao estertor os membros da “classe média” que, por imposição da lei instituída não podem escamotear um centavo que seja do seu rendimento de trabalho. Esta forma de “colheita” é mais fácil e “muito mais cómoda”, daí a razão da preferência que o estado demonstra pela cobrança activa a contribuintes passivos.

Discutíveis são as normas impostas por quem, muito senhor de si e cioso do seu poder, ordena acções concebidas no conforto dos seus gabinetes sem ter em conta as particularidades que norteiam a vida de todos os cidadãos. Sempre que tal acontece fica desnudada a muitas vezes comprovada ausência de consciência social.

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