2 de julho de 2011

Portugal de pantanas

Luís Farinha

As virtudes da democracia medem-se essencialmente pela felicidade do povo anónimo.


Há três áreas da vida portuguesa responsáveis pelo crescente mal-estar que se sente crescer na opinião pública do país. Refiro-me aos sectores da Saúde, Justiça e Segurança Social, que são hoje motivo de todas as conversas, matérias obrigatórias de notícias, crónicas e debates nos diversos meios de comunicação.

Realmente, parece que em quaisquer daquelas três áreas chegámos ao ponto de rotura, nódoas negras da sociedade que se arrastam desde os velhos tempos do Estado Novo. Só que, ao invés do que nos foi prometido pelos revolucionários de Abril - promessas em que acreditámos plenamente - trinta e muitos anos depois continuamos na mesma e, em alguns casos, até pior do que então.

Tal como antigamente, a Saúde e a Justiça, só funcionam para quem tem dinheiro para pagar bons médicos e advogados. Os pobres, que constituem a grossa maioria da população portuguesa, continuam a sofrer a inclemência dum serviço público de Saúde profundamente degradado e duma Justiça cuja equidade só existe em teoria. Quanto à Segurança Social, para quê dissertar sobre o que é tão evidente? Em que país da União Europeia as reformas e pensões dos trabalhadores são tão infamemente indigentes? Em que sociedade do velho continente os idosos são tão desprezados? Quais são os países da família comunitária, onde o nível de vida é tão rasteiro?

Não basta dizer que a democracia é um sistema político melhor que a ditadura. O que é preciso é provar, com factos, que essa é uma realidade irrefutável. Indispensável é demonstrar, na prática, que o povo vive mais feliz e satisfeito num sistema democrático do que numa ditadura. O que se torna aberrante é pretender que a democracia em Portugal garanta apenas mais liberdade de expressão e de opinião sem ter em conta outras componentes fundamentais para o bem-estar dos cidadãos. Instituir deveres ao mesmo tempo que são minimizados os benefícios de quem tanto deles carece faz crescer o cepticismo atávico que os portugueses sempre demonstraram relativamente à política e aos políticos. Uma sociedade baseada num sistema político que se afirma de democrático não pode incorrer na incoerência de consentir que os pobres tendam a transformar-se em indigentes enquanto os privilegiados são cada vez mais numerosos e favorecidos. Por mais que se tente justificar essa discrepância, ela não cabe na cabeça de ninguém. As virtudes da democracia medem-se essencialmente pela felicidade do povo anónimo. Os ricos e os que souberam cavar para si as benesses que o sistema disponibiliza aos que se sabem colocar a jeito são sempre felizes em qualquer regime político que o país adopte. Ao contrário desses, há os que têm de se virar com os €246,36 da pensão mínima do regime geral. Chega a ser obscena a diferença entre as pensões douradas e demais complementos e privilégios de uns quantos e as pensões de miséria de milhares de portugueses a quem, para cúmulo, se atribuiu a ‘regalia’ de arcar com os sacrifícios de que o país precisa na situação difícil em que foi colocado pela sucessão de governantes inaptos que por cá têm passado.

Tendo em conta o estudo segundo o qual a pensão média em Portugal é de 397 euros, torna-se fácil concluir que este é um país a duas velocidades. A confirmar este raciocínio tomemos como exemplo um caso ao acaso sendo que vários outros podiam ser aqui trazidos. Mira Amaral, um ex-ministro e ex-administrador da CGD tem de pensão a confortável soma de 18 mil euros mensais, sem esquecer os dois meses em que esse valor cresce para o dobro em função dos subsídios de férias e do Natal. Seja a que título for, por mais argumentos que se avancem no sentido de justificar tal exorbitância num país que desde há muito vem arrastando uma enormíssima carência de recursos, esta pensão constitui prova eloquente do desvario reinante. Não será o caso, mas por maior que tenha sido a contribuição do senhor Amaral para o engrandecimento de Portugal nos contextos interno e externo, 18 mil euros por mês será sempre um desconchavo por se tratar de uma clara exorbitância num país que está de pantanas. Será verdade que esta como outras pensões do mesmo nível por aí distribuídas, terão sido sancionadas pelos códigos em vigor, o que vem confirmar a teoria das duas velocidades acima referida.

É pois este país em frangalhos que Pedro Passos Coelho e a sua equipa no governo se propõem tirar do lamaçal em que foi atolado. É cedo para conjecturar sobre o seu êxito ou fracasso porém, a expectativa é enorme. Todos nós, os cidadãos atentos, torcemos para que o seu empenho não esmoreça, conseguindo resistir às manobras seitosas a que os politiqueiros obedecem para alcançar os seus desígnios.

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