19 de julho de 2011

A mais velha profissão do mundo

Luís Farinha

Ela mandava parar o táxi numa rua da zona dos Anjos, em Lisboa, à porta dum prédio de aspecto vulgar, sempre o mesmo, e metia-se no elevador. Quando saía, algumas horas depois, trazia a carteira bem mais confortável.

Ela era minha vizinha, lá no bairro onde eu morava. Casada, quarentona mas ainda atraente. Uma vez, depois outra e mais outra, numa sucessão de acasos fortuitos reparei que, logo após o almoço, a minha vizinha saía de casa sempre bem vestida e maquilhada. Numa rua próxima apanhava um táxi e seguia.

A explicação da estranha rotina da minha vizinha chegou-me casualmente, em circunstâncias que envolvem alguém cuja identidade não vem a propósito nem é importante para a história.

Minutos depois, já na zona dos Anjos, em Lisboa, ela mandava parar o táxi à porta dum prédio de aspecto vulgar e metia-se no elevador.

Quando saía, algumas horas depois, trazia a carteira bem mais confortável.

Ao fim da tarde, em casa, preparava o jantarinho, esperava que o marido chegasse, comiam e acabavam o serão vendo a telenovela ou o futebol, como se a vida de ambos fosse feita da morna rotina familiar, comum a muitos outros casais.

Quem a via, lá nas ruas do bairro, nem por sombras imaginava a vida dupla que fazia.

É costume afirmar-se que a prostituição é a mais velha profissão do mundo. Não sei se é tão velha, assim. Nem nunca me dei ao cuidado de averiguar se esta asserção é baseada em dados concretos, se tem algum fundo de verdade, ou se é apenas uma força de expressão inventada pelos escritores e poetas para conferir mais dramatismo ao que escrevem quando dissertam sobre as coisas da vida. O que eu sei é que a prostituição é assim como um novelo de muitas pontas, cada uma delas capaz de nos levar ao seu núcleo principal ou apenas a uma fracção com caminho para nenhures.

A pergunta mais comum é: o que faz uma mulher chegar à prostituição? Porém, quando a fazemos logo recebemos como resposta um sem número de razões que, cotejadas entre si, nos levam à conclusão de que cada uma anula a precedente, desfazendo teorias e reduzindo a lógica a coisa nenhuma. A quem me refere que a venda do corpo resulta directamente das dificuldades económicas (o que em muitos casos até é verdade), contraponho que conheci, na longa estrada que deixei para trás, várias prostitutas que precediam de famílias economicamente favorecidas. Aos que argumentam que ela, a prostituição, é consequente do mau ambiente familiar (o que também acontece), posso refutar que há casos de prostitutas que representam, elas próprias, a degenerescência de lares perfeitamente estáveis e equilibrados. Para rebater os que defendem a teoria de que a "vida fácil" deriva da necessidade de arranjar dinheiro para a aquisição de drogas (o que hoje é muito vulgar), posso questionar que as prostitutas de há 50 ou 60 anos não eram, geralmente, toxicodependentes.

Estes são apenas alguns exemplos que apontam para o facto evidente de que a prostituição se explica de muitas formas diferentes. Quer dizer: não há um factor determinante que explique a existência daquela a que chamam “a mais velha profissão do mundo”...mas muitos!
Tantos quantos possamos imaginar!

Contudo, uma coisa é certa: a prostituição é sempre a sequela de um conflito moral ou material.

Noutros tempos, a prostituição era praticada em lugares próprios, as chamadas casas de passe (ou de "meninas", como muitos diziam). Actualmente, porém, já não há as casas de passe. Ou melhor: continua a haver casas de passe, só que, agora, se chamam casas de massagens ou ainda, mais sofisticadamente: agências de acompanhantes. Antigamente, nos anos 40, 50 e 60 do século passado, essas casas situavam-se em profusão nas ruas do Bairro Alto, duas nos números 21 e 35 da velha Rua dos Canos (ou, correctamente: Rua Silva e Albuquerque) e no 14 da Rua do Socorro, ambas no Martim Moniz. Uma outra muito frequentada era no 58 da Rua dos Cavaleiros e, a puxar para o fino, a Madame Blanch, na Rua da Glória, a dois passos dos Restauradores, o 100 da então Rua do Mundo (hoje, Rua da Misericórdia) ou Madame Calado (só para gente endinheirada) no Rossio. Para os outros, os contavam os tostões, restavam as casas de meninas da Mouraria, mais manhosas, nas ruas da Amendoeira e João do Outeiro.

Hoje, porém, as casas de meninas do século XXI nascem e florescem em locais mais sofisticados, não só nas ruas e avenidas novas desta Lisboa que não pára de crescer para a periferia, como nas ruas mais centrais das cidades da província.

Antigamente, não havia o descaramento de pôr anúncios promovendo os serviços oferecidos pelas casas de meninas. Hoje, requintado mesmo é anunciar nos jornais os predicados sexuais das jovens que se podem encontrar, disponíveis, nas tais casas de massagens ou nas agências de acompanhantes. “As mais doces”, “as devoradoras”, “o menu do prazer”, “as acompanhantes de alto nível para satisfazer os seus desejos”, “A Vanessa, 18 anos, muito bonita e meiguinha que atende em apartamento privado, sem inibições”... e assim por diante. Muitos dos anúncios, talvez a maior parte, exibem fotos de jovens mulheres, desnudas, em poses pretensamente eróticas. Poses que, naturalmente, suscitam a curiosidade dos miúdos lá em casa, conjecturando sobre aquelas ‘coisas’ no jornal que o pai comprou no quiosque da esquina, estranhando, porque nunca viram a mamã em tais propósitos.

E não se pense que essas vendedoras de prazer desinibidas e doces têm alguma coisa a ver com a imagem que normalmente fazemos das chamadas mulheres da vida. Não, a realidade do tempo presente não tem nada a ver com essas velhas lembranças dum passado que já foi!

Hoje, as prostitutas dos anúncios do jornal são provenientes de estratos sociais bastante diversificados. Ali, nas novas casas de meninas podem encontrar-se filhas de famílias com princípios morais elevados, estudantes universitárias, secretárias desempregadas, raparigas com cursos superiores e outras apenas com educação elementar mas com físicos espampanantes. Lá, nesses prostíbulos modernos, podem encontra-se, inclusive, mulheres casadas que vendem o corpo, às escondidas, para alimentarem o seu desejo de vestir bem, de ter dinheiro para o luxo, ou para outros fins, os mais diversos.

O caso verídico que acabei de vos contar é apenas um exemplo disso mesmo.

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