16 de abril de 2011

Cinquenta anos depois…

Luís Farinha

“Desculpe, é o senhor (…)?”

Virei-me, encarando de frente a senhora que me abordava no corredor do hipermercado. Devia andar pelos 70, cabelo louro artificial, talvez um metro e sessenta ou um pouco mais, o seu aspecto e postura assemelhava-se à de muitas outras pessoas que connosco se cruzam diariamente nos lugares públicos.

Confirmei: “sou eu mesmo”.

“Não se lembra de mim…”, insistiu, como se se tratasse duma afirmação.

De repente, como um flash que relampejasse no meu cérebro, respondi: “claro que sim!”

“Lembra-se do meu nome?”

Sem hesitar citei os seus dois nomes próprios seguidos dos dois apelidos.

Ali, na minha frente, estava a outra metade do meu primeiro casamento, alguém que eu não via há muitos anos, desde que num fim de tarde de 1957 lhe telefonei a avisar que não voltaria a casa. Foi uma ligação que durou escassos 11 meses, interrompida por uma sucessão de circunstâncias estranhas que tornavam impossível uma vida em comum dita normal. A união fora consequência duma fortíssima atracção sentida, creio que mutuamente, quando nos conhecemos no restaurante Montes Claros, na Serra do Monsanto, em Lisboa. Três meses dum namoro acrisolado levou-nos a admitir que o nosso amor era inextinguível, à prova de tudo o que o tentasse abalar.

Afinal, conclui depois, esse foi como que um aviso de que da vida eu sabia muito pouco…

Como já referi, 11 meses depois do casamento decidi bater com a porta voltando as costas àquela jovem lindíssima que eu, na hora da partida, ainda amava como no primeiro dia em que a vi. Eu tinha então 27 anos e ela apenas 20. Algum tempo após a separação, acabaria por concluir que a atracção mútua que nos levara ao casamento pouco ou nada teria a ver com amor, com tudo o que essa expressão pretenda significar. Foi antes, intui, uma pulsão sexual desbragada que nos levava ao delírio e que só acalmava na intimidade do leito. O tempo se encarregaria de me mostrar quão vulgar é hoje essa confusão. Contudo, não foi o reconhecimento dessa realidade que me levou a pôr ponto final na nossa vida a dois. Houve razões verdadeiramente surpreendentes que me apontaram a porta da saída.

Uma das medidas encontradas para não adiar desnecessariamente a realização do matrimónio foi-me apresentada pelos pais da jovem: habituada como ela estava a gozar de um confortável nível de vida que eu não estava ainda preparado para proporcionar-lhe, era-me adiantada a proposta de que fossemos viver para casa deles, onde havia espaço de sobra.

Embora relutante, acabei por ceder. Não imaginava, então, o que viria por acréscimo.

Quantos factos e episódios inconcebíveis ocorreram na meia dúzia de meses seguintes, mostrando-me quão precipitada fora a decisão que me levara a aceitar o oferecimento que me fora feito… Tarde para recuar, tentei ainda corrigir a situação mudando-nos para uma casa própria, mas as razões que me haviam alertado para o erro daquele casamento continuaram a manifestar-se levando-me à decisão extrema que acabaria por tomar.

Mais de meio século depois quis o destino que nos reencontrasse-mos naquele hipermercado perto da minha casa. Foi um encontro breve, não mais de cinco minutos. Depois, ao vê-la afastar-se, quedei-me absorto conjecturando sobre as surpresas que a vida nos reserva sem que para eles estejamos preparados.

É, a vida tem destas coisas…    

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