23 de agosto de 2012

Vamos reflectir…

Luís Farinha

Penso que é tempo de reflectir sobre os valores que têm vindo a desaparecer, tornando o mundo menos belo, as pessoas mais feias, o dia-a-dia cada vez mais sombrio.


Ultimamente dá-me muitas vezes para ficar a pensar no que vou deixar para trás. Fico a pensar, sobretudo, no bem que não consegui fazer, no amor que não fui capaz de dar, nas boas acções que deixei por realizar. E quando isso me acontece fico desolado, acreditem. Porém logo concluo que é tarde para corrigir o que só agora considero com importância bastante.

Provavelmente porque tenho consciência de que o tempo que passou foi para mim bem mais longo do que o futuro que imagino à minha frente, dou comigo a tentar fazer o balanço do que deixo para trás. Penso que é tempo de reflectir sobre momentos que não cuidei de preservar, agora que os valores que tornavam a vida mais aliciante e apetecível têm vindo a desaparecer, gerando um mundo menos belo, pessoas mais feias, um dia-a-dia cada vez mais sombrio.

Mas será que as pessoas, tal como acontece comigo, ainda sentirão capacidade para pensar nessas coisas? Ou esses são valores que a sociedade fez cair em desuso e eu é que, em desespero, a eles me agarro para pensar que a minha vida podia ter sido diferente do que foi se tivesse parado para pensar?

Quando olho à volta, verifico que hoje se tomam como qualidades formas de comportamento que antes eram consideradas autênticas aberrações de carácter. E os exemplos disso são-me oferecidos pelo próprio ofício que escolhi, o jornalismo, que se transformou num espectáculo quase sempre deprimente onde a “notícia” se mede, não pela sua importância intrínseca mas pelo efeito que se espera venha a causar. E, igualmente, pela classe política, cada vez mais falha de pudor, prometendo o que de antemão já sabe que não vai cumprir, enganando deliberadamente os eleitores.

Uma coisa é certa: a sociedade em que hoje vivo não é, nem pouco mais ou menos, aquela que eu imaginava nos tempos em que, jovem que eu era, ainda mantinha em pleno a capacidade de sonhar. Se então não canalizei esses sonhos como devia e podia, a culpa é só minha, pertence-me por inteiro, talvez porque não fui capaz de intuir o futuro.

Entrado na idade mentalmente adulta tenho vindo a assistir à transformação da sociedade nesta coisa feia que hoje é. Vejo valores antes essenciais, transformarem-se em excrescências dum sistema corrupto. Testemunho a consagração da vacuidade e a apoteose do protagonismo. Com surpresa, constato que tudo se vende e compra, inclusive o respeito próprio. A palavra dada, o compromisso inviolável, passaram a ser coisas vazias de sentido. A vergonha, que antes açaimava a indignidade, está hoje afastada dos compêndios da conduta pessoal. Evidente é a glorificação inebriante do poder económico que tudo impõe de acordo com os seus interesses privados. Sempre nessa esteira, para muitos dos seus sectários toldados pela determinação posta nesse propósito subjugante a honra torna-se elástica e o amor-próprio, por tão incómodo, sempre acaba por cair em desuso. Acreditem, tenho pena desses pobres-diabos, os ricaços que, na ânsia demente da insaciável sede de importância e do vício da ostentação a qualquer preço, ficam até incapazes de raciocinar que o dinheiro, os bens materiais e o poder a todos os níveis não são, como pensam, coisas imperecíveis. É assim, alimentando a pueril ilusão de pertencerem a uma casta dilecta vão exaurindo a sua própria existência, a única que lhes foi concedida, deles restando, no fim do caminho, um feixe de ossos anónimos ou um punhado de cinzas que retornarão à terra que outros hão-de pisar.

É esta a sociedade consagrada no começo do 3.º milénio. É este o mundo que legamos aos vindouros.

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