28 de junho de 2012

Os novos ‘cavalheiros de indústria’


Luís Farinha


O regime está podre. De há uns anos a esta parte e vindos não se sabe bem de onde apareceram na sociedade portuguesa uns estranhos personagens animados de um projecto maquiavélico: enriquecer muito e rapidamente sem olhar a meios, inclusive à custa de quem trabalha, os mais fáceis de esbulhar. Constituídos em quadrilhas organizadas ou mesmo a solo, para atingir os seus planos os tratantes cuidaram de introduzir-se nos lugares-chave do aparelho do estado ou nos círculos influentes capazes de lhes facultarem acesso aos centros de decisão. A partir daí foi um nunca mais acabar de façanhas escabrosas, umas mais rendosas que outras mas todas altamente ruinosas para os cofres da nação e para os bolsos dos cidadãos contribuintes.
Em consequência da permissividade instalada no regime e da acção nefasta desses novos bandoleiros engravatados, em meia dúzia de anos, como navio cheio de rombos Portugal bateu com o casco no fundo. É certo que os tribunais estão cheios de dossiers que apontam nas mais diversas direcções mas a justiça, emperrada e pouco dada a questionar o sistema instalado, vai permitindo que os processos prescrevam e os meliantes se continuem a rir do povo que vão esbulhando, certos que estão da costumeira impunidade que por cá assentou arraiais.
Os casos de corrupção e arranjismo que chegaram ao domínio público e ficaram famosos são mais que muitos, a tal ponto que só recorrendo aos arquivos dos tribunais seria possível enumerá-los na sua assustadora quantificação. Os que neste momento me ocorrem são:
                         
“Caso Vale e Azevedo”
“Caso Caldeira”
“Caso Fátima Felgueiras”
“Caso Portucalle”
“Caso Gondomar”
“Caso Moderna”
“Caso Independente”
“Caso Furacão”
“Caso da Câmara de Lisboa”
“Caso Apito Dourado”
“Caso Face Oculta”
“Caso Isaltino”
“Caso Freeport”
“Caso BCP”
"Caso BPP"
“Caso dos submarinos”
“Caso SNS”

Mas há mais, há muitos mais…

Muitos dos processos a criar teias de aranha nos diversos tribunais portugueses serão, como referi, resultado da lenta capacidade de resposta da máquina judiciária, mas não deixa de ser sintomática a crítica que a directora do DIAP de Lisboa, Maria José Morgado, fez à prestação da PJ, no que toca à acção contra a criminalidade económico-financeira, numa declaração ao DN em 31 de Março de 2010. "Ao nível da Polícia Judiciária registam-se dificuldades graves no âmbito do combate ao crime …/… económico-financeiro. Tais dificuldades traduzem-se na quase paralisação de certos processos no crime económico”. Sendo uma declaração de alguém que, por força da voluntariedade e capacidade profissional demonstradas ao longo dos anos, é de ter em conta.

Que não se pense, contudo, que esta dificuldade em garantir um combate adequado aos crimes de “colarinho branco” é um problema confinado apenas a Portugal. Quem lê a imprensa estrangeira facilmente dará conta de quão difícil é contrariar a acção dos criminosos que agem no silêncio dos seus gabinetes. Citando Rodrigo Strini Franco, delegado da Polícia Federal de São Paulo (Brasil): “o criminoso de colarinho branco possui um plus, um escudo, uma imunidade que o exclui do poderio penal”. Com tal asserção, fácil é concluir que a criminalidade de colarinho branco gere uma notável desigualdade no controlo judicial. Voltando a Rodrigo Franco atente-se neste conceito: “Basta verificar a população carcerária para que se constate a origem das pessoas que lá estão”.

‘Para bom entendedor meia palavra basta’, diz a sabedoria popular. Tão sábia como: ‘com a vida dos outros podemos nós bem’, querendo significar que o que nos deve incomodar é o que se passa neste nosso rincão lusitano. Porém, vivemos num período de globalização que, por arrastamento, abre as fronteiras nacionais ao bom e ao mau que nos chegam lá de fora, quer queiramos ou não. É conveniente levar em conta esta realidade para que o espírito nos não atraiçoe com juízos de valor mesquinhos na toma das decisões menos comuns que se nos deparam pela vida adiante.

É perfeitamente concebível – e até desejável – que qualquer cidadão, por mais anónimo que seja, saiba (e consiga) projectar a sua vida pela via do enriquecimento resultante do trabalho sério. Há um sem número de casos que ilustram esta referência, casos que suscitam a admiração e o respeito geral. Tomemos um exemplo: Rui Nabeiro, um português oriundo de uma família humilde que, muito jovem ainda, fundou a empresa Delta Cafés, corria o ano de 1961. Muito trabalho depois era titular de uma sólida fortuna baseada no labor sem tréguas e na rectidão dos processos entretanto por si postos em marcha. Tendo deixado para trás os 80 anos e uma carreira de que se orgulha, Manuel Rui Azinhais Nabeiro é hoje uma figura que os portugueses respeitam e o exemplo vivo do homem rico que, por mérito próprio, é apontado como o arquétipo duma raça em vias de extinção.

Não é única a referência que acabo de citar. Outras mais poderia aqui revelar, o que me daria enorme prazer, mas esta serviu apenas para mostrar a diferença que hoje marca as actividades obscuras duma súcia de ricaços feitos à pressa, os tais que de ‘colarinho branco’ e gravata a condizer enxameiam a nova sociedade lusa, os muitos que optaram pelo enriquecimento construído de manigâncias, de conluios, de pouca-vergonha. Os gananciosos que não recuam perante a sordidez de tirar partido da lástima que avassala o Portugal de nós todos.
Que os filhos e netos desses trapaceiros encapotados não assimilem o exemplo vergonhoso que receberam por herança é o meu voto sincero.      

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