27 de dezembro de 2011

A mala de cartão

Luís Farinha


Li há mais de seis anos, no jornal on-line Portugal Diário de 27 de Outubro de 2005, mas ainda vivo a preocupação que a notícia me causou.

“Quase vinte por cento dos quadros técnicos portugueses vivem no estrangeiro, revela um estudo do Banco Mundial. Ocupamos o 21º lugar numa lista global, entre a República Dominicana e o Malawi. Especialistas consideram que a saída de licenciados impede o desenvolvimento das nações mais pobres”.

Grosso modo, isto queria dizer que quase 20 por cento dos portugueses com o ensino superior viviam no estrangeiro, o que levava Portugal a ocupar a primeira posição em termos percentuais entre os países europeus que mais são afectados pela saída dos seus quadros técnicos.

Uma conclusão a que desde logo cheguei foi que somos um país com inegável vocação emigrante. Até onde a história chega, tudo começou com os descobridores que, por mares nunca antes navegados, partiam em busca de riqueza e de povos estranhos, de cores e hábitos de vida diferentes dos nossos.

Séculos passados voltámos a partir aos milhares, porém, exportando então força de trabalho capaz de cumprir tarefas que os naturais recusavam. Assim, fixámo-nos por esse mundo fora, não sendo raro conseguirmos amealhar fortuna à custa de trabalho duro. Agora, como a contrariar o conceito de que a história não se repete, eis que uma vez mais nos aprestamos a procurar lá fora o que não encontramos em Portugal: trabalho que nos garanta o pão de cada dia e uma vida que nos não envergonhe.

Não merece crédito o oco argumento de que Portugal é pequeno demais e não possui as condições mínimas que permitam usufruir de uma vida aceitável pela maioria da sua população. Tal raciocínio não corresponde minimamente à realidade. Pelo contrário, tendo o país condições naturais singulares apreciáveis e gente que não teme o trabalho, por mais duro que seja, é fácil reconhecer que o problema não assenta na incapacidade laboral do povo português, mas na inabilidade dos seus governantes para gerir as dádivas em que, no nosso caso, a mãe Natureza foi pródiga.

Como a confirmar o que acabo de referir, assistimos agora a mais uma vaga de emigração, só que desta vez o êxodo é rodeado de características muito especiais. Se antes exportávamos aquilo que na gíria é conhecida como “força bruta”, ou seja: trabalhadores sem formação, actualmente os países que nos aceitam abrem as portas a operários qualificados e, pior do que isso, recebem de braços abertos os chamados cérebros, ou seja: portugueses com ensino superior. Tenhamos em conta o caso recente protagonizado pelo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho ao incentivar publicamente a emigração dos milhares de professores desempregados sugerindo que essa seria uma medida a seguir. Sendo no mínimo humilhante, a asserção do senhor governante teve ainda a grave resultância de despojar os portugueses dos restos do sentimento de esperança que tão importante é na fase particularmente penosa que o país atravessa. Das suas imprevidentes palavras fácil é deduzir que, sem solução, a Portugal nada mais resta. Outro caso seria se em vez da tão infeliz sugestão o senhor primeiro-ministro tivesse afirmado empenho pessoal em encontrar soluções que evitassem a saga de emigração dos cidadãos portugueses. Isso sim, seria motivo para nos sentirmos galvanizados, dispostos a aceitar de dentes cerrados os terríveis sacrifícios a que, sem entendermos, temos vindo a ser condenados.

Assim, confesso que senti, uma vez mais, o amargo sabor do desencanto…   

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