6 de dezembro de 2011

Condomínios em apuros!


Luís Farinha

Comprar casa para viver tornou-se o sonho de [quase] todos os portugueses, particularmente dos jovens que anseiam constituir família e criar independência. O antigo hábito de um novo casal compartilhar a casa dos pais, dele ou dela, era normalmente entendido como uma solução provisória adoptada no sentido de ir aforrando fundos que dariam jeito na hora de dar o passo decisivo para uma “vida a dois” com a sonhada independência.
Mas tinha razão Camões quando escreveu: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”. Os apelos ao consumismo incentivados pelos ‘patrões’ das finanças ante a mudez cúmplice dos sucessivos governos da nação, pós-revolução dos cravos, produziram efeitos nunca antes alcançados. Empréstimos para a compra de habitação com oferta de amortizações a perder de vista foi o argumento força que transformou o português, por natureza cauteloso, num inchado proprietário. Como era previsível, o resultado desse grave desnorteio viria a ter, como se vê agora, um fim ruinoso impossível de sanar. É claro que o desvario iniciado pela aquisição imprudente de habitações foi agravado pelo contágio de outros escoadouros dos frágeis rendimentos dos jovens portugueses: mobílias, automóveis, electrodomésticos, viagens, férias, sem esquecer muitas futilidades que o comércio publicita agressivamente, foram acordando a ânsia de posse, latente na profundeza das almas crédulas dos jovens, ao mesmo tempo que obscureciam os restos da sua capacidade de discernimento.

Como hoje todos sabemos, a batalha pelo enriquecimento à custa dos outros acabaria por ser ganha pelos promotores do ‘compre agora e pague depois’. Quem já era rico descobriu na situação decorrente um filão inesgotável para aumentar o seu poder financeiro tirando partido dos falsos indícios de um melhor nível de vida, coisa de que uma boa parte da população se convenceu tomando como sérios os argumentos falaciosos dos políticos nascidos com o 25 de Abril. De Norte a Sul de Portugal, nomeadamente nas cercanias das áreas mais densas de habitantes, o consumo cresceu sensivelmente em resposta aos incitamentos vindos de todas as direcções veiculados pelos meios de comunicação. Se a aquisição da tão ansiada habitação era a prioridade que desde logo se impôs, outras “necessidades” se mostraram como não satisfeitas, como o(s) automóveis(s) para a família, as férias e viagens, as roupas de marca, os telemóveis e um sem número de outras bugigangas criadas para o “conforto” e satisfação do desejo de ter, tão constante na mente do cidadão comum. Em meia dúzia de anos nascia uma competição até aí desconhecida: a febre da ostentação, que viria a tornar-se a obsessão dominante da nova classe média - designação excessiva quando vista à luz da realidade.

Mas o português comum, ágil na ânsia dos direitos trazidos pela revolução esqueceu – mais uma vez – que esses só fazem sentido e frutificam quando se atende aos deveres do nosso vizinho. Ter direitos impõe que os mesmos não atropelem os que aos outros respeitam.

Vejamos o caso corrente, muito actual, da convivência entre condóminos nos espaços comuns dos prédios de habitações adquiridas em regime de propriedade horizontal. Não pagar as quotas mensais do condomínio é uma moléstia que se estende a largos milhares de casos em todo o país. Os administradores nomeados bem se esforçam para que essa obrigação legal seja cumprida atempadamente pelos condóminos em falta, porém o resultado é quase sempre nulo. Todos os argumentos servem de desculpa para o não cumprimento dessa cláusula prevista na lei. Entretanto, além das despesas correntes de manutenção há, em todo o território, um elevadíssimo número de edifícios construídos há dezenas de anos que começam a necessitar de reparações de fundo que as próprias autarquias impõem, como a assistência pormenorizada dos espaços e bens comuns, a substituição dos elevadores em fim de vida que já não oferecem a segurança exigida e a restauração exterior dos prédios.

Segundo o que está legislado, nos casos de falta dos pagamentos previstos na lei a recorrência aos tribunais é a solução eficaz. Com a força da lei, a justiça acabará por actuar sendo assim reposta a legalidade. Mas se o condomínio está já em precariedade financeira devida aos calotes da maioria dos condóminos, como se poderá recorrer ao tribunal? Como será pago o indispensável advogado e as custas processuais?

Num exercício de previsibilidade talvez seja oportuno lembrar que em função da actual crise que avassala Portugal e o desemprego que daí vai crescendo não será despiciendo concluir que o número de condóminos incumpridores vá aumentando substancialmente, com consequências desastrosas que começam a ser visíveis.

O que fazer então?

Porque não a criação (sem encargos) de um recurso legal que evite a catástrofe que se adivinha? Porque não se incumbem desse recurso as próprias autarquias a quem são pagas as contribuições prediais entre outros impostos já que, como é do conhecimento geral, aos Julgados de Paz falta-lhes a força legal que só os tribunais detêm?

O cenário deprimente que de há muitos anos padecem os chamados bairros históricos ou populares não tardará a estender-se às construções das últimas décadas. Há zonas habitacionais que a caminho do meio século dão já mostras de rápida degradação: canalizações em mau estado, paredes a escorrerem humidade, elevadores que não funcionam, frontarias depauperadas pelas intempéries e assim por diante.

Por outro lado, a falta de pagamento das chamadas quotas mensais, fundos de reserva e outras despesas comuns obrigatórias está a azedar as relações entre vizinhos já que para o não-cumprimento desse dever todas as razões [justificações] parecem válidas: se o condómino não habita a casa, parte do princípio de que não causa despesas e se não as faz pretende que nada terá a pagar; se não vive no andar e o tem alugado argumenta que a renda que o seu inquilino paga não dá para manter os encargos que a lei prevê. E depois restam ainda os que embora co-proprietários do edifício onde vivem, se queixam da ‘perseguição’ que o administrador lhes move tentando criar com esse subterfúgio um clima de isolamento e distanciamento que os proteja de serem incomodados.

É notória a tendência dos políticos pós-25 de Abril para protelarem a resolução de situações complicadas da governação para um ‘depois’ que nunca chega. É uma atitude que rapidamente se propagou aos quadros das autarquias. Lestos a fomentar a criação de novos parques residenciais e a conceder licenças de construção numa perspectiva de crescimento das contribuições, passam à velocidade das coisas imóveis quando os munícipes lhes reivindicam o arranjo de um passeio desempedrado, de um muro derrubado, de um acesso tornado intransitável por uma obra parada.

O caso dos condomínios em risco de ruína administrativa é grave e cresce a olhos vistos. Ignorar as consequências de uma tal situação é, se bem visto, deixar estabelecer a desordem urbana até ao insustentável. E depois, como será?    

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