21 de novembro de 2011

A falsa classe média

Luís Farinha


No caso dos governos que nos têm calhado por desígnios caprichosos do destino, o que dirão a história... e os amanhãs que se perfilam no horizonte?

Há quem pense – e disso não faça segredo – que em Portugal a classe média é uma camada da população em vias de extinção. À primeira vista tal opinião parece não fazer sentido, particularmente ao olharmos a ostentação que se agita à nossa volta. Mas permitam que vos pergunte: têm a certeza de que o automóvel, o apartamento, o telemóvel, as mobílias, as viagens, as roupas da moda e demais sinais de desafogo material que vêem naqueles que vos rodeia, lhes pertence por direito? Será que são os donos legais desses bens que alardeiam? A confirmar-se essa conjectura como se explica então que, de acordo com Bruxelas, as famílias portuguesas sejam as mais endividadas de toda a Europa?

Alguma coisa não faz sentido, pois não?

É do conhecimento geral que é da chamada classe média que é extraído o grosso da receita do Estado. Enquanto a privilegiada classe dos profissionais liberais e as grandes empresas se subtraem à responsabilidade de manter em ordem as suas contribuições ao fisco, aos trabalhadores por conta de outrem (em que encaixa a tão badalada classe média) é deixado o pesado encargo de suportar quase toda a despesa pública. Resumindo, a receita do Estado é toda ela calculada em função das contribuições da tal classe que de “média” já não tem nada.

Perante este cenário, não há razão para temer que tal eufemismo venha a desaparecer do discurso político. A “classe média” mais não é do que o “bode expiatório” de tudo o que de mal e de bom é arquitectado pelo poder instituído. O cidadão compra um carro, uma casa, um fato novo, ou vai de férias? Logo o tacham de membro da “classe média”. A partir de então não cabe nos dois milhões de outros cidadãos que, esses sim, são considerados pobres porque não geram riqueza. Só que a sociedade portuguesa tem dois milhões de pobres. Nada menos do que dois em cada dez portugueses sobrevivem com menos de 60 por cento da média nacional de rendimentos. E o que mais dói em tudo isto é que enquanto o Estado faz “vista grossa” aos grandes caloteiros fiscais (embora saiba bem quem são e onde estão), aperta até ao estertor os membros da “classe média” que, por imposição da lei instituída não podem escamotear um centavo que seja do seu rendimento de trabalho. 

E assim vamos vivendo neste alegre faz-de-conta...
             
Uma das coisas que a vida me ensinou até chegar a esta etapa avançada da vida é que nada (de bom e de mau) acontece impunemente. Se durante o tempo útil que vivemos, espalhámos a paz, a harmonia e o amor ao próximo entre os que nos rodeiam, podemos esperar que o balanço final nos seja favorável. E se não for, resta-nos a compensação de chegarmos ao fim em paz com a nossa consciência. Se, pelo contrário, pela vida adiante só nos importámos connosco - e no uso pessoal e exclusivo esgotámos o cálice da vida, sem olharmos à volta - o fim será o que tal filosofia comporta: a solidão dos que lamentam não ter usufruído de mais e mais bens materiais, de que, de resto, para nada servirão então.

Vem isto a propósito dos governantes que durante anos se têm passeado pelos corredores do poder. Se exercitaram esse poder para construir uma sociedade melhor, resta-lhes a satisfação do dever cumprido e o reconhecimento eterno do mundo que deixam para trás. Se, pelo contrário, o que é mais corrente, usaram o poder exclusivamente para benefício próprio e do seu compadrio, resta-lhes o opróbrio e o ostracismo da história.

No caso dos governantes que nos têm calhado por desígnios caprichosos do destino, o que dirão a história... e os amanhãs que se perfilam no horizonte? Acredito que haverá muitos descendentes que evitarão, no futuro, usar os apelidos que lhes foram legados.     

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