3 de setembro de 2011

Portugal, hoje

Luís Farinha

Portugal atravessa um período marcado por uma conjuntura particularmente difícil a nível económico, financeiro e social. Contudo, ao contrário do que alguns sustentam, esta situação não é consequência exclusiva da crise internacional precipitada pelo crime financeiro do senhor Bernard Madoff e da falência do banco de investimentos Lehman Brothers, nos EUA. A situação periclitante a que Portugal chegou é, antes do mais, o resultado inevitável duma sucessão de medidas governativas imprudentes postas em prática pelos vários governos que têm passado pelas cadeiras do poder desde alguns anos, aliada à impudicícia que tem norteado os cultores da alta-roda endinheirada.

Haja em conta o desaparecimento progressivo da classe média, o aumento imparável da pobreza crescente que avassala a população e as dificuldades financeiras que o Estado tem vindo a registar, ao longo das últimas décadas, resultantes das políticas de compromisso viradas para o clientelismo directo e indirecto.

Provando a teoria de que o que está a dar é ser ex-ministro ou ex-secretário disto ou daquilo há os que, enquanto no desempenho de cargos políticos, preparam para si os caminhos da fortuna, sabe-se lá a troco de quê. A verdade é que, ao mesmo tempo que o país definha, são cada vez mais numerosos os ordenados e reformas principescas auferidas por uma numerosa coluna de sujeitos colocados estrategicamente em lugares privilegiados.

Em contraste com o salário mínimo nacional e a reforma miserável atribuída à maioria dos portugueses esses proventos milionários chegam a ser atentatórios da dignidade social duma nação europeia do século XXI. Cinco, dez, quinze, vinte mil euros de reformas ou salários mensais são pagos a indivíduos que, ao mesmo tempo, vão buscar outras pensões de vultoso valor por cargos anteriormente desempenhados, alguns transitoriamente.

É por isso que num período em que Portugal esbraceja num mar de incertezas, em risco iminente de soçobrar, o enriquecimento desbragado funciona à rédea solta, como se – de um dia para o outro – tivesse sido estabelecido pelos seus cultores o “aproveitar enquanto é tempo”.

Só assim, de resto, se poderá entender a notícia veiculada pelo jornal Correio da Manhã do dia 18 de Agosto segundo a qual “Nos primeiros cinco meses do ano voaram cerca de nove milhões de euros para paraísos fiscais. Medo da troika acelerou fuga de capital para fora”.

No dizer de um amigo meu, cultor da gíria popular: ‘nove milhões de euros é muiiiito papel’!

Como é do conhecimento geral, ao referir os paraísos fiscais estamos a falar de instituições financeiras inacessíveis, localizadas nas Ilhas Virgens Britânicas e Caimão, nas Antilhas Holandesas, Bermudas e Guernsey entre muitas outras igualmente usadas para guardar e branquear as fortunas provenientes da fuga aos impostos e de outras manigâncias conducentes ao enriquecimento ilícito.

No mês de Março passado, quando o governo ultimou o pedido de ajuda financeira ao exterior, instalou-se entre os figurões cá do burgo o pânico de que os milhões, ganhos ‘com o suor dos seus rostos’, poderiam acabar por ser levados pelas medidas de austeridade. Assim, para ficarem a coberto dessa eventualidade tão pouco atraente trataram de colocar a salvo, nos paraísos fiscais, só nesse mês, a bonita soma de 440 milhões. Afinal, tratou-se dum pânico infundado, como ficou provado pelas palavras do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, em entrevista ao diário espanhol El Pais quando afirmou que recusava a aplicação de medidas fiscais muito duras aos detentores de riqueza, considerando que essas medidas podiam levar à fuga de capitais.

“De Janeiro a Maio Portugal já viu fugir para paraísos fiscais mais de 1,3 mil milhões de euros. É uma média de 9 milhões de euros de capitais por dia que saem do País para offshores, fugindo assim ao Fisco”, referia o CM. Mais não fora, esta é prova irrefutável de que enquanto Portugal se afunda está, ao mesmo tempo, a ser objecto de uma operação de fuga de capitais levada a cabo por uma súcia de ricaços que, num momento em que o país ameaça soçobrar ao peso da crise instalada, aproveita para escamotear e pôr a bom recato fortunas mal explicadas.

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