4 de agosto de 2011

Um olhar para trás

Luís Farinha


Agora, quando para mim o tempo corre mais depressa, fico muitas vezes a pensar no que ficou para trás. Fico a pensar, principalmente, no bem que não consegui fazer, no amor que não fui capaz de dar, nas boas acções que deixei por praticar.

Pergunto-me o que terá sido feito de alguns dos princípios que, noutros tempos, faziam com que a vida apetecesse ser vivida. Tenho para mim – e creio não estar sozinho nesta presunção – que a despeito do regime em que muitos viveram a sua vida toda: despótico, autocrático, restritivo, era mais franco e amigo o relacionamento entre os que se queriam bem. Era praticada a boa vizinhança, uma prática de vida que não cabe no modelo pretensioso da sociedade que está na moda.            

Agora, quando o meu passado é bem mais comprido do que o futuro que há-de vir, é tempo de eu ir fazendo o balanço duma vida que já vai longa. É tempo de reflectir sobre valores que têm vindo a desaparecer, tornando o mundo menos belo, as pessoas mais feias, e o dia-a-dia cada vez mais sombrio. Será que os outros não vêem isso? Ou esses são valores que a própria vida fez cair em desuso?

Hoje, quando olho à volta, verifico que se tomam por qualidades apreciadas formas de comportamento que antes eram consideradas autênticas aberrações de carácter. E o exemplo disso é-me oferecido até pelo ofício que escolhi, o jornalismo. Na verdade, a comunicação social acabou por transformar a informação num espectáculo mediático onde a “notícia” se tornou menos importante do que o efeito que causa. Vive-se do sensacionalismo, da espectacularidade, do escândalo desbragado, da insinuação grosseira. Nos media o que ‘vende’ é o excessivo, a desumanidade, o selvagismo. E por mais que os ‘entendidos’ me tentem convencer que isso não exacerba o comportamento dos meus vizinhos, dos jovens, dos néscios e dos intelectuais, não creditarei as suas opiniões que o dia-a-dia desmente.

Há quem diga que vivemos num mundo louco... e não sei se há ou não alguma razão para tal juízo. Mas uma coisa é certa: a sociedade em que hoje vivo não é, nem pouco mais ou menos, aquela em que me fiz homem. Depois, nos idos da minha juventude ainda havia a esperança de melhores dias. Ainda se vivia a ilusão de que um dia a liberdade seria o cenário em que as nossas crianças se fariam adultas. E só isso bastava para seguirmos em frente, pesem embora as limitações absurdas que nos eram impostas.

Afinal, ao longo das últimas décadas tenho vindo a assistir à transformação da sociedade numa coisa feia, às vezes até aviltante. Vejo valores antes essenciais, transformarem-se em excrescências dum sistema corrupto. Testemunho a consagração da vacuidade e o culto do protagonismo. Com surpresa, constato que tudo se vende e compra, inclusive o respeito próprio. A palavra dada, o compromisso inviolável, passaram a ser coisas vazias de sentido. A vergonha, que antes açaimava a indignidade, está hoje afastada dos compêndios da conduta pessoal. A honra tornou-se elástica e o amor-próprio, de, tão incómodo, está a cair em desuso. Hoje, rimo-nos do que noutros tempos daria vontade de chorar e tomamos como completamente fora de moda princípios de que antes nos orgulhávamos.

É esta a sociedade glorificada pelos que aprenderam a retirar dividendos generosos desta confusão imensa.

Para muitos, porém, é também como uma queda no vazio absoluto, irreversível.          

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