22 de agosto de 2011

Encontrei o Edgar!

Luís Farinha


Contas feitas, não via o Edgar há uma boa dúzia de anos. Perdera-lhe o rasto desde que, numa decisão inopinada, a meio de um dia de trabalho, nos anunciou que ia abandonar o jornalismo.

Assim, sem mais nem menos…

No dia seguinte já não se apresentou na redacção, deixando também de aparecer no pequeno bar onde habitualmente se juntava aos colegas depois de terminado o turno da tarde. Tudo isto sem adiantar razões, sem falar sobre os motivos da sua decisão, sem revelar o que iria fazer a seguir.

No princípio, ainda nos perguntávamos se alguém o tinha visto por Lisboa, mas como as respostas eram sempre negativas, acabámos por, a pouco e pouco, deixar de falar no Edgar, até que absorvidos pela agitação do dia-a-dia, ele se apagou de todo das nossas preocupações.

Foi por isso que, no Verão de 2008, estava eu sentado no muro sobranceiro à praia, na cidade espanhola de Salou, a escassos quilómetros de Barcelona, fiquei mudo de espanto quando vi passar um tipo que me fazia lembrar o Edgar.

Olhando melhor e já convencido de que aquele era mesmo o meu ex-colega, chamei: "Edgar! Ó Edgar!"

E o Edgar virou a cabeça atendendo ao chamado.

E também me reconheceu.

   - Que fazes tu aqui, malandro?

   - Se calhar o mesmo que tu - respondi.

Abraçámo-nos e ali ficámos de pé, em frente um do outro, ambos surpreendidos por nos termos reencontrado a mais de mil quilómetros do nosso habitat natural.

Disse-lhe que estava ali de férias.

   - Quanto a mim, vivo aqui - disse o Edgar, acrescentando - … por enquanto.
  
   - Tão longe de Lisboa?

   - Estava farto daquilo tudo. Do trabalho que tinha, da cidade e até do meu país.

   - Mas porquê, homem!

E a conversa foi-se desenrolando enquanto nos encaminhávamos para um barzinho ali perto...

   - Para ser franco, tanto tempo depois ainda nem eu próprio sei explicar bem o que aconteceu comigo. O mais provável é que eu tenha querido fugir da bagunçada que se vinha instalando na sociedade portuguesa, nomeadamente no nosso meio, os media.

   - Não disseste nada a ninguém. Nem connosco te abriste. Desapareceste, simplesmente, e pronto!

   - Acredita que andava a fazer um esforço do caraças. As conversas cansavam-me; já não tinha prazer no convívio; a inspiração para escrever era cada vez menor; já há muito que vinha considerando o discurso político uma treta. Era assim como um castelo de areia a desfazer-se sem que eu o pudesse evitar.

   - Nada acontece por acaso...

   - E quem te disse que a situação a que cheguei foi obra do acaso?

   - Mas tu eras um tipo aparentemente tão seguro; tão sólido nas tuas convicções...

   - Era jornalista!

   - E isso faz a diferença?

   - O ofício de redigir notícias instalou em mim o hábito de querer olhar para dentro das coisas. Com o tempo, o quê, quem, quando, onde, porquê, passaram a fazer parte do meu modus vivendi. A tal ponto, que ia sempre cair nessas estafadas regras da profissão, não só no exercício do jornalismo como também fora dele. Ultimamente, qualquer questão, fosse de que natureza fosse, era sempre rematada por uma interrogação. A subjectividade deixou de fazer parte das minhas cogitações. Punha tudo em causa e tudo tinha de ter uma explicação coerente. E na sociedade portuguesa, como bem sabes, a coerência já há muito que vinha caindo em desuso. Agora não sei... e francamente nem quero saber!

   - Nunca me apercebera - nem os nossos colegas - do buraco profundo em que te deixaste cair.

   - Onde me deixei cair ou para onde a vida me atirou. E isto não é uma desculpa!

   - Tens a certeza de que te afastaste só pelas razões que referes?

   - Aos poucos deixei de encontrar respostas para muitas coisas. Exemplo disso, válido ainda hoje, é que enquanto a sociedade científica procura encontrar formas de prolongar e melhorar a qualidade de vida das pessoas, as pessoas vão-se tornando mais e mais suicidárias. Inventam conflitos, sacaneando quem ouse atravessar-se no seu caminho. Atropelam os interesses alheios. Tudo isso com o objectivo quase sempre mal escondido - sublinhou - de tirar maior e melhor partido das benesses que a tal sociedade de faz-de-conta põe ao dispor dos atrevidos.

   - Onde tu chegaste, meu caro Edgar!

   - A vida tornou-se uma selva, meu amigo. Ou ainda não deste por isso?

   - Bem, a vida não é fácil, mas sempre se vai levando...

   - ...desde que se esteja disposto a olhar para o lado. E eu, francamente, não estava. E continuo a não estar, se queres saber.

   - Então agora vives feliz...

   - Não diria tanto, mas pelo menos não tenho que pactuar com a bandalhice que anda por lá, pela nossa terra.

   - Ainda não me disseste o que fazes agora; do que vives; porque estás aqui tão longe do teu poiso natural.

   - Vivo aqui em Salou, de um pequeno negócio. Uma lojinha que vai dando para comer, deixando que a vida vá correndo sem grandes sobressaltos.

   - Não pensas regressar a Lisboa, a Portugal?

   - Quem sabe o que nos espera? Por agora - e já lá vão uns anos - vou continuando por aqui. Amanhã logo se vê...     

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