8 de junho de 2011

Este é o novo Portugal que ajudámos a “construir”

Luís Farinha

Para se abordar a questão da delinquência com a frontalidade que a sua gravidade justifica, não podemos deter-nos em pormenores subjectivos que apenas confundem e embaraçam a compreensão desse fenómeno na sua globalidade. Por mais respeito que nos mereçam os elementos sérios das comunidades brasileira, africana, cigana e dos países do Leste europeu, temos de nos render à evidência de que muita da violência urbana que hoje alastra entre nós provém desses grupos étnicos, porém não isentando nesta abordagem, obviamente, a que é cometida pelos que nasceram aqui, neste Portugal velho de quase mil anos. A delinquência, e com ela a insegurança que gera, não são consequência exclusiva da cor da pele mas de circunstâncias que devem (deviam) ser procuradas mais a montante: na pobreza, na promiscuidade dos bairros sociais da periferia, na miscigenação inter-raças que não existe de facto, no racismo latente nos brancos, nos negros, nos ciganos e nas outras etnias minoritárias e, sobretudo, nos padrões de vida impostos por aquilo que teimamos em chamar de “a sociedade moderna”. Enfim, forma geral a marginalidade tem origem em toda uma série de factores que nunca são enfocados porque fazem parte do que se convencionou designar por politicamente incorrecto. Algo que não convém ser esmiuçado pela classe política, pelos cronistas vitalícios e pelos bem instalados no sistema. Refiro-me, neste último grupo, naturalmente, aos espertalhões que, por artes e manhas, têm vindo a conseguir sustentar a sua fome insaciável de protagonismo (e de fortuna) empoleirando-se nos altos galhos preparados pelos seus confrades.


A verdade contudo é que a violência urbana, incluindo na sua prática os que, inclusive, nunca esperaríamos ver nela envolvidos faz hoje parte do quotidiano dos portugueses. Já aqui o referi anteriormente, mas nunca será de mais recapitular alguns factos que alteraram profundamente o nosso dia-a-dia, muito em especial o daqueles que conheceram outra forma de vida, um Portugal diferente sem espaço nem vocação para a violência nas ruas.

Seriam impensáveis, há 40 ou 50 anos, assistirmos a episódios lamentáveis como os que ultimamente alimentaram a mórbida curiosidade dos cidadãos, refiro-me, obviamente, aos que tiveram como protagonistas jovens raparigas ainda adolescentes incapazes de controlarem os seus ímpetos desaustinados. Seria inimaginável que, nesse tempo, viessem criminosos do país vizinho rebentar à bomba propriedades públicas em Portugal com o intuito de roubar grossas maquias de dinheiro. Como seria improvável a repetição dos desvios fraudulentos que empobrecem até à exaustão um país que, como Portugal, vive desde há largos anos em situação de penúria financeira.

Para quem, como eu, já deixou para trás largas dezenas de anos, estará ainda lembrado dos tempos em que se podia percorrer Lisboa e Porto de dia ou de noite, e bem assim qualquer outro ponto do País, sem receio de lhe acontecer algum percalço. Tempos em que as ruas e os caminhos eram de todos e não de apenas alguns que hoje se permitem fazer deles o seu campo de manobras marginais. Era assim o Portugal de antigamente, pese embora o regime ditatorial que se viveu durante quase meio século.

No presente, já todos nos habituámos a olhar por cima do ombro; já aprendemos a não sair de casa depois de uma certa hora; a olhar com desconfiança as caras desconhecidas que connosco se cruzam; e, inclusive, a não trazer connosco quaisquer objectos de valor. Entretanto, as cidades grandes tornaram-se selvas intransitáveis onde só se aventuram as feras esfaimadas, sedentas de violência.

Este não é o País que nos foi deixado em herança pelos nossos maiores. Este é o Portugal que, impantes de indiferença parola, ajudámos a construir; o Portugal que já não é mais o meu orgulho, mas a terra apocalíptica que, talvez por culpa nossa, legamos aos nossos filhos.

Inevitável vai ser o julgamento que mais tarde não deixará de ser feito a este período da história. Julgamento em que nós, os que nos temos como cidadãos
impolutos inevitavelmente seremos acusados dos pecados de desleixo e omissão.

A promessa de liberdade que a instauração da democracia prometia referia-se a algo que nos fez sonhar. Porém, pelo caminho que se seguiu o significado de “liberdade” desvirtuou-se transformando-se nesta coisa suja que é, hoje, o cenário em que os portugueses vão arrastando a sua desilusão.

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