7 de maio de 2011

Só me resta a memória…

Luís Farinha

Agora, quando os anos que me restam são bastante menos do que os que já vivi, dá-me, a miude, para lançar uma olhadela ao passado, relembrando cenas duma vida que já foi, revisitando lugares onde jamais voltarei, revendo caras e corpos que, a pouco e pouco, se vão diluindo nas brumas do tempo.
 
Umas vezes, as lembranças trazem-me cores, cheiros, sabores e contactos que me fazem bem à alma. É quando regresso por instantes às amizades que vieram para ficar, aos relacionamentos fugazes mas intensos, aos amores que aceleraram o ritmo do meu coração. Outras vezes, as recordações trazem-me de volta situações menos felizes. Rostos que me arrependo de ter conhecido. Pessoas com almas espantosamente feias, mas que o destino teimou em colocar no meu caminho, fazendo-me tropeçar vezes sem conta.
 
Este retorno ao passado, que agora me acontece com mais frequência do que antes, é assim como um balanço da muita vida vivida até ao presente. É como se quisesse reter à força: casos, coisas, rostos e lugares que constituem, afinal, a história da minha vida e que um dia destes se apagarão para sempre, como uma luz que se extingue definitivamente.
 
Pela minha vida passaram algumas coisas bonitas, uns quantos momentos felizes... e essas são as memórias que me acodem com mais frequência . Como num ecrã imaginário, vejo passar situações que tenho pena de não poder repetir. Vejo pessoas que amei e amigos que estimei sinceramente. Alguns que já não fazem parte deste mundo, mas que - segundo dizem - acabarei por reencontrar quando eu próprio partir, também, para o outro lado da vida.
 
Mas há recordações que me apetecia apagar da memória. Há rostos que melhor seria não ter conhecido. Gente sórdida colocada no meu caminho como a advertir-me que o mundo não é perfeito. Autores de acções e atitudes que a moral condena e que apenas servem para fazer o contraponto do lado bom da vida. Esses, em franca minoria, serão para sempre a parte dissonante duma existência razoavelmente feliz, a minha!
 
A pouco e pouco, no rodar incessante da vida, cumprida a minha parte outros tomarão o meu lugar... até que, por sua vez, sejam rendidos pelos que vierem depois.
 
É então que me ocorre uma verdade inquestionável. Nada somos e nada representamos neste revezar constante. Antes de nós, milhões de milhões de seres humanos já cumpriram destinos. Depois de nós, outros milhões de milhões virão para cumprir os seus. Neste quadro, a insignificância do que somos devia bastar para que nos não atrevessemos às exibições patéticas de sentimentos menores como a arrogância, a vaidade, a presunção burlesca.        

É que, quer acreditem ou não, no meio disto tudo pouco mais somos que um mero dado irrelevante...
 

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